Faço os trezentos e tal quilómetros entre Bremen a Mönchengladbach num só esticão. Paramos só num supercharger porque o carro é eléctrico e precisa desse abastecimento. O coração palpita o caminho todo. Deixo a cidade da minha infância feliz e sigo para a cidade onde nasci mas que só conheço dos meus tempos de adulta de quando ia visitar as minhas tias berlinenses, exiladas deste lado da antiga barricada. Assim que avisto as placas que indicam que estamos a chegar, peço ao meu marido que pare o carro. Preciso destas fotografias. Preciso de congelar o momento. Eu nasci aqui. Eu nasci aqui, repito e re-repito no pensamento.
A cidade grande chama-se Mönchengladbach, famosa pelo seu clube de futebol, o Borussia Mönchengladbach. Porém, eu não nasci em Mönchengladbach propriamente dita, eu nasci em Rheydt que hoje se encontra dentro de Mönchengladbach mas que na altura era uma cidade por si. A coisa é de tal forma engraçada que Mönchengladbach é a única cidade alemã com duas estações-centrais de comboio. Tem a estação central de Rheydt, que nunca abdicou desse resquício de autonomia, e a estação central de Mönchengladbach. Quando me perguntam onde nasci digo, normalmente, Mönchengladbach por ser mais facilmente identificada do que Rheydt. Outras vezes, e porque me custa sempre dizer Mönchengladbach por isso não ser a verdade do meu nascimento e por estar a sobrepor Mönchengladbach a Rheydt (coisa que não gosto), digo que nasci em Rheydt-Ödenkirchen. Ödenkirchen é, digamos, um círculo administrativo da cidade de Mönchengaldbach (que também foi, como Rheydt, uma cidade independente) e assim componho o nome do local onde nasci. Além disso, Ödenkirchen soa-me a "Igrejas" (Kirchen) de Odin, o deus nórdico. No entanto, a etimologia de Ödenkirchen está ainda muito envolta em brumas, Talvez "Öden" venha do germânico antigo para "velho" e a palavra signifique local da igreja velha ou, em alternativa, local da igreja de Hudo, no caso de "Ödin" ser a evolução desse nome masculino. Seja como for, gosto de dizer que venho de Rheydt-Ödenkirchen. Mönchengladbach é o que digo quando não estou para me justificar. Eu nasci em Rheydt e é isso que conta em todos os meus assentos de nascimento, naturalização e todos os etcs. legais da minha existência cidadã.
Rheydt é uma medalha numa pulseira que as minhas tias me deram quando eu tinha oito anos e que usei o resto da infância (a pulseira também tinha, como tem, a medalha de Mönchengladbach mas, por obra e graça da ironia, o esmalte dessa lascou-se um bocado). Rheydt é passarem-me os teclados dos computadores nas Repartições de Finanças e nos Registos quando tenho de escrever a minha naturalidade perante a lei do país que não me viu nascer. Rheydt é uma geografia de acaso, o acaso do local onde abri os olhos e inspirei a vida (ou era aí ou era a Austrália e, apesar de me ter estrangeira estrangeira, a minha Mãe grávida queria-me europeia).
Sim, nasci em Rheydt e, por isso, peço ao meu marido para parar o carro quando chegamos, vindos de Bremen, ao fim do dia...
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