Há qualquer coisa de desconcertante, de Unheimlich, para usar um vocábulo alemão que melhor defina a estranheza inquietante, quando vemos uma bandeira alemã esvoaçar no alto de um palácio que reconhecemos francês. Há qualquer coisa que não joga.
Lembro-me da sensação que tive da primeira vez que vi Herrenchiemsee, o nome do palácio. Volto a tê-la. À nossa frente uma cópia de Versailles em versão mais nova. Versailles tem o desgaste da idade, a patina, que Herrenchiemsee não possui. Por um lado, é, obviamente, mais novo do que o seu modelo francês, por outro, teve de ser restaurado depois dos bombardeamentos, e, por outro ainda, nunca foi habitado, a não ser nos 10 dias em que Ludwig aqui esteve, e nunca foi acabado porque o rei morreu no Lago Starnberg menos de um ano após aqui ter estado. Nunca se apurou se foi suicídio ou outra coisa qualquer. O que é certo é que Ludwig foi encontrado sem vida nas águas do Starnbergsee. Estava falido, os cofres bávaros exauridos por tanta fantasia construtiva e Herrenchiemsee a obra mais exorbitante e cara. Diz-se que os ministros de Ludwig estavam fartos daquela rêverie louca do rei e que havia discórdia nos círculos do poder e tentativas de chamar o soberano à razão. Quando morreu estava a ser dado como louco e incapaz para governar. Na autópsia não se revelaram indícios de afogamento pois não havia água nos pulmões. Seja como for, Herrenchiemsee é a tonteria última de Ludwig e, porventura, o símbolo da fatalidade que sobre ele caiu.
Aqui até os jardins replicam Versailles. A Sala dos Espelhos, ligeiramente mais comprida do que a original, arrebata. Ao contrário de Versailles, em que as cores estão mais esbatidas pelos anos, aqui temos uma impressão mais precisa do que seria a Sala dos Espelhos na sua juventude. Tudo reluz. Tudo é em excesso e, depois, ao cabo de salas e salas de opulência desregrada, o reverso, a nudez das paredes inacabadas. O tijolo alanrajado oferece a imagem irónica e cruel do que estás por detrás de toda esta gigantesca fachada. Atrás da aparência esconde-se a essência débil. a mim, esta parte inacabada do palácio lembra-me as pirâmides, os mausoléus fúnebres de civilizações desaparecidas. é uma imagem apta para nos relembrar a morte do rei, o abandono do palácio, a interrupção dos planos, a falência. Herrenchiemsee não é Versailles. Ficou sem História e apenas tem uma historieta para contar. É um monumento à caducidade, um fogo-fátuo. É impressionante, sim, mas oco. Falta-lhe alma e, por isso, é apenas um colosso.
Passeamos nos jardins, olhamos o lago ao fundo, o que também acentua a estranheza face a Versailles, e fazemos o percurso de volta até ao cais onde milhares de pessoas esperam o transporte que as leve dali, de regresso a algo mais real.
1 comentário:
Embora tenha passado inúmeras vezes “à porta” nunca fui a Versalhes... pq me impressionam negativamente esses desvarios!
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