14 de julho de 2018

No regresso

Pela evolução e pelas circunstâncias da vida que caminha e nos leva e traz a rotinas e a espaços novos, vai-se tornando hábito que, nos regressos, a estas costas atlânticas seja precisamente para o mar que eu me dirija. Aí espera-me o coração do lado de fora do corpo, aquilo que há meia dúzia de anos não existia e que eu não sonhava ser tão forte e tão especial. É para eles que regresso, deles que trago as saudades máximas. Estão aqui, à beira deste mar, em residência oficial de veraneio. Tornou-se rotina chegar de fora e vir aqui (re)confortar a alma no encontro.
Fui ao meu país de origem. Venho, para meu espanto, quase muda. Não consigo meter em palavras verbalizadas na oralidade o que me foi o reencontro com aquelas terras familiares e distantes, à vez conhecidas e o oposto. Levei o meu marido que era quem eu mais lá queria levar. Porém, levei-me a mim, o Eu que sou hoje, distante e familiar dess'outro que fui. Este meu Eu contemporâneo precisava do reencontro para se calibrar a balança nesta fase da vida. Perdi Rheydt. Acho mesmo que não regressarei onde nasci. Nada no sentimento me pede que regresse e tão pouco me entristece que não queira voltar. Bremen continua a ter no meu querer a pujança que sempre teve, agora mais porque aí criei memórias que posso partilhar com quem amo e quem eu quis me acompanhasse nesta viagem à Alemanha e nesta viagem de vida. Percebi também que não tenho de ter medo de me despedir da Tante Ruth porque ela vai estar sempre comigo e sempre será uma parte da minha viagem por esta dimensão e pelas outras.
Não mudei o que sinto por aquela terra e aquelas gentes. Não lhes pertenço, porém, claro que há um pouco de pertença. Sendo outsider, sou insider. Vivo um paradoxal paradigma de interioridade e exterioridade. Aceito que vivo num limbo pacificado e sinto-me a espécie de híbrido em que sempre vivi dentro da minha pele. Sei que é à beira deste Atlântico ventoso do Oeste que melhor me entendo como cidadã com pertença a um algures. Louvo em gratidão o pôr-do-sol que os meus olhos vêem quando chego vinda de longe, um pôr-do-sol como só existe nesta latitude e sobre estas ondas que reconheço pátrias. Que cena mágica e inesquecível. Que povo abençoado este que vive na banalidade de algo tão deslumbrante. Na Alemanha não há disto. Na Alemanha está o meu passado, aqui o meu presente. Não matarei o que em mim se aloja proveniente desse nascimento longínquo na geografia em que habito os meus dias.
Sou uma privilegiada. A hibridez é uma fortuna, não uma desvantagem. Venho de casa e regresso casa. Sim, sou uma privilegiada...

1 comentário:

Goldfish disse...

Que bom é ler-te agora, nesta fase da vida! Dizem que a tristeza e a melancolia fazem boa literatura mas, ao ler-te, tenho de discordar. Esta fase feliz é ainda melhor! Um beijinho