20 de junho de 2019

Gibraltar

O dia não era exactamente o que eu esperava. Nublado e fresco, não correspondia bem à imagem mental que eu trazia ao chegar ao Rochedo, esse enclave britânico, aguçado que nem uma espinha, no meio de terras andaluzes. Imaginava vir aqui num dia de sol radioso como o são os dias de sol andaluz.
Percebe-se logo porque é que Gibraltar se chama O Rochedo, na maiúscula do nome. É uma rocha imponente que se levanta na paisagem e nada mais. O Rochedo é um pedaço de rocha, ponto. Monumental e solitário, é o paradigma perfeito da definição de enclave. A entrada é feita através da pista do aeroporto. Cada centímetro de terra conta. Há casas na vertigem vertical da rocha, há terra tirada ao mar, tudo é apertado e claustrofóbico. Porém, a vida decorre e Gibraltar lembra-me Miami Beach em ponto micro: os empreendimentos virados para o mar que nos cortam a visão do mar, os habitantes anglo a fazerem o seu jogging, as marcas saxónicas, o inglês inesperado no meio do espanhol. É uma Grã-Bretanha tão ao sul que mais parece americana e os ingleses aqui não parecem viver em pátria sua mas numa espécie de expatriamento. O Brexit aqui foi rechaçado e não imagino o que seja a (re)imposição de fronteiras num território que, por força da sua exiguidade, tem de estar aberto sob pena de colapsar.
Percorre-se num ápice este espaço e, porém, a sensação é de que aqui os britânicos vivem em modo de auto-suficiência. Há aqui hospitais, escolas, jardins, comércio, bancos, colégios, igrejas de diferentes denominações e até uma mesquita. Recentemente, inaugurou-se a universidade de Gibraltar (coitada, que caminho terá de correr até chegar aos rankings da notoriedade e ser levada a sério). Não falta nada apesar de faltar espaço.
Naturalmente, a grande atracção é o topo do Rochedo, o teleférico vertiginoso até lá chegar e os macacos de Barbária que nos esperam ávidos e atrevidos. Mordo as vertigens e subo ao alto, vendo, cada vez mais nitidamente, os contornos do enclave e o horizonte de mar que aponta para África ali tão perto. As nuvens baixas que envolvem o topo dão ao Rochedo um ar melancólico. Penso que, em vez de decepção, tive uma sorte enorme de ver o Rochedo sob esta luz difusa e acinzentada que dá umas fotos bem distintas e diferentes das habituais com que se vende Gibraltar.
À saída, uma fila de carros com uma hora de espera empata o regresso a Espanha. O polícia de fronteira olha para o meu ar incrédulo e diz, sorridente, no humor britânico de que é filho:
- I bet this wasn't on the prospect!
Sim, de facto, isto não está em nenhum panfleto turístico.

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