Lembro-me de, no ano passado, chegar ao Texas e o primeiro sinal de cuidado que vi dizer "Beware of Snakes", cuidado com cobras. Eu vinha da Flórida e dos estados do Golfo do México onde os letreiros diziam "Beware of Gators", cuidado com aligátores. Achei que tinha passado de um perigo reptiliano cheio de dentes para outro mais insidioso. Aqui, no Novo México, o perigo são as cascavéis. Apuro o ouvido a ver se oiço o chocalhar da roca destas serpentes, o chocalhar que me evoca cenas de cowboys mordidos no meio do nada a chuparem o sangue da mordedura a ver se sai o veneno. Também eu estou no meio do nada e sem conhecimentos de sobrevivência face a encontros com serpentes. Por momentos sinto-me o que sou, um espécime da civilização urbana, absolutamente indefeso no meio da vastidão. Milhões de anos de evolução fizeram-me, um exemplar de homo sapiens sapiens modernus e indefesus. A cada dia, a cada pedaço novo nesta jornada, vou-me encontrando com o que está abaixo da superfície de mim. A cada quilómetro feito é mais uma fase de desintoxicação da correria quotidiana e inspiração a plenos pulmões do espaço imenso que aqui me rodeia. Começo a amar o Oeste que me envolve com muitos grandes nadas.
Chego a Albuquerque ao final do dia. A tempestade que me perseguiu e que de mim se apiedou deixou-me chegar a um algures debaixo de telha. Abate-se em fúria nesse crepúsculo que me apanha à chegada ao hotel. É uma tempestade camoniana, a tempestade tonitruante que apanha as caravelas de Vasco da Gama na dobra do Cabo das Tormentas. Há um Adamastor à solta e gravo o som e a imagem do colosso apenas para me dar conta que nenhuma gravação consegue apanhar a voz do Adamastor e os relâmpagos de um Zeus irado. Estou feliz.
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