É uma infelicidade histórica que existam palavras más para descrever sentimentos bons na sua essência. Nada há de mal ou errado em gostar da sua terra, em ter espírito nacional. Nacionalismo e nacionalista deveriam ser benevolamente associados a esse espírito de bem-querer. Não o são. Trazem-nos à memórias hediondices passadas e presentes e medos futuros. Fiquemo-nos por um qualificativo mais ligeiro e usemos a palavra nacional para construir expressões do sentimento bom pela terra.
Mais, porventura, do que em outros estados da Alemanha, a Baviera tem uma clara noção da sua nacionalidade, a qual lhe é, e só pode ser, inegável e indesmentível. Enquanto passeio tranquilamente sobre as águas do Chiemsee reparo nos barquinhos com as bandeiras bávaras de losangos azuis e brancos. Há um que me chama a atenção por me parecer a epítome da alma nacional bávara. Tem hasteada uma grande bandeira do estado. Não é a bandeira oficial. é uma bandeira que tem a efígie de Ludwig II no centro e conoto-a com o reino antigo e independente da Baviera. Acho-a uma bandeira saudosista e explícita do orgulho nacional de quem a hasteou. Acima, e mais pequena, numa simbologia notória da secundarização que lhe é dada, uma tricolor alemã, a Shwartz-Rot-Gold, preto-encarnado-ouro. Também não é uma bandeira oficial. Tem, ao centro, a águia imperial de asas abertas, outra reminiscência passada de grandiosidade e orgulho. Na verdade, há uma bandeira alemã oficial com a águia imperial sobre um escudo, é a bandeira de Estado, usada apenas em circunstâncias especiais. quem quer usar a bandeira da águia não a pode usar sobre o escudo. Verbot! Proibido! Por isso, há muitas tricolores com águias menos "oficiais". Noto estes pormenores nas bandeiras daquele barco e imagino o dono ou os donos bávaros convictos e orgulhosos, perfeitamente conscientes da hierarquia da sua nacionalidade: primeiro a Baviera autónoma, depois a Alemanha em toda a sua germânica pujança. Haja orgulho mas que não se atravesse a fronteira dos "ismos".
Naturalmente, outra das arreigadas noções autonómicas dos bávaros e de outros alemães é proporcionada pela língua. Já se sabe que a língua alemã não é uma homogeneidade. Dir-me-ão que o Português também não o é. Certo. Mas Português é entendível independentemente do sotaque ou das escolhas vocabulares que diferenciam o "sumo bebido pela palhinha" do "suco tomado pelo canudinho". O uso do Alemão na Alemanha é como o uso do Espanhol em Espanha: há um padrão e depois há outras línguas, dialectos e variadas mais ou menos inter-inteligíveis. Os bávaros amam falarem um Alemão incompreensível para o resto dos alemães.
Apanho um carro com um selo na chapa do porta-bagagens que me diz deste orgulho na língua que forma e corporiza uma nacionalidade. Tem um losango azul que significa a simplificação da bandeira bávara e depois pergunta a quem o lê se fala bávaro? Acho deliciosa esta assumpção da nacionalidade. "I red Boarisch und Du"? Ora, esta bavaridade traduzida para Alemão-padrão é algo como "Ich spreche Bayerisch und Du?, eu falo bávaro e tu? Pois eu, é mais para menos do que para mais. Posso convocar os meus conhecimentos linguísticos para discernir que "I" é obviamente "eu" como no Inglês, um derivado do Frísio, que é uma variante do Alemão. Posso fazer uma comparação com o verbo Alemão "reden" que se usa não para falar uma língua mas para falar uma conversa e, assim, apanhar o sentido por contexto. E, claro, não é muito difícil entender que "Boarisch" seja o equivalente a "Bayerisch". Porém, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Se me falarem em bávaro depressa e bem, de nada me servem conhecimentos linguísticos que não percebo nada. A diversidade linguística é um tesouro humano. Aqui na Baviera preservam-se bem estes tesouros da nacionalidade: a autonomia, a história, a língua. O que há de mal em ter orgulho no que é nacional? Apetece-me um autocolante que diga "Eu falo Português e tu?"
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