26 de dezembro de 2018

Árvore 2018

Há dois duendes, de 8 e 5 anos, que se encarregam das decorações natalícias. Dou-lhes uma autorização excepcional este ano: podem escolher o sítio onde vamos colocar a árvore de Natal (como sempre, nesta casa, um resto qualquer de poda). Exultam na alegria de tão fantástica liberdade. Digo-lhes que a mãe deles gostava muito das maçãzinhas quando era pequena. Enchem a árvore de maçãzinhas, como a enchem de ornamentos que vão descobrindo dentro de caixas dentro de caixas. Refreio os meus impulsos de lhes dizer que estão a meter demasiadas coisas na árvore. Não dou palpites e fico-me a observá-los entretidos e a ouvir as suas conversas e negociações. Eles podem estar alegres, eu estou mais, muito e indizivelmente mais.
Também os autorizo a decorar a casa. Ainda me assoma um semi-pensamento de que me vou arrepender na hora de ter de desmontar o Natal mas não quero saber. Lembro-me dos Natais mágicos da minha infância feliz e quero proporcionar algo semelhante aos meus sobrinhos. Acabo com os corrimões decorados, as portas todas, casas-de-banho e cozinha e tudo o que seja puxador de gavetas e móveis. Sim, vai ser bonito arrumar o Natal mas jamais tão bonito como vê-los azafamados.
Um Natal onde haja crianças corresponde a todos os clichés e frases gastas de tão verdadeiras que são.
Feliz Natal!

15 de dezembro de 2018

O meu Novo Testamento

Passo por isto a segunda vez na vida. De ambas as vezes, a mesma sensação aliviada de pôr um certo arrumo na morte, a minha.
Da primeira vez, foi uma necessidade óbvia e premente que me fez testamentar-me. A lei portuguesa contra mim, contra os meus desejos últimos e primeiros. O meu infindável divórcio que estava no começo e o imperativo sentido de proteger os meus face aos direitos legais, mas não morais, do meu ex-marido que, sem o divórcio averbado, seria sempre meu herdeiro universal. deserdei-o no que a lei me permitia, ou seja, até 50% do património por mim detido. Achei uma ofensa, uma imoralidade que, naquela guerra, eu tivesse de ceder a uma lei que me fustigava. Determinei-me a não morrer enquanto o divórcio não se concluísse. Consegui.
Agora, numa fase nova, outras necessidades do meu querer derradeiro me levam a um testamento. Razões pragmáticas e aliviadoras. As testemunhas que me assistem no acto legal verbalizam o desconforto de me verem ali a tratar da minha finitude. Rio-me. Desdramatizo. Digo-lhes do meu alívio e da minha alegria por deixar coisas tratadas e arrumadas, eu que não gosto de embrulhos e confusões.
Sim, é alívio. Nada melhor para a vida do que o tratamento pragmático e não mórbido da morte.

12 de dezembro de 2018

Pôr-do-sol em Presque Isle, Lago Erie

Disseram-nos que aqui em Presque Isle, uma península que entra pelo grande lago Erie adentro, se dão dos ocasos mais magníficos do planeta. Vindos de um país oceânico virado a Oeste, tínhamos, forçosamente, de vir comprovar se uma tão ousada afirmação seria possível. Passamos a tarde no parque estadual de Presque Isle, no estado da Pensilvânia, e aguardamos o afamado pôr-do-sol.
O lago gigante assemelha-se a um mar. As praias de areia fina enganam-nos a pensar em praias de oceano. O sol vai cair dentro de água e há aqui uma familiar similitude com o país de onde vimos. Observamos o disco solar descer no horizonte. Ficamos na hipnose deste poente até anoitecer.
Pode não ser um pôr-do-sol que se esconde atrás do Atlântico, mas comprovamos que é igualmente belo. Testemunho que aqui em Presque Isle há razões para que digam as maravilhas que digam deste pôr-do-sol...

8 de dezembro de 2018

Abrigo anti-tornados

Tenho um interesse particular por fenómenos climatéricos extremos (desde que eu esteja a salvo e não existam vítimas). Gosto de filmes-catástrofe e já estive num simulador de tornados. Nutro o desejo de um dia vir aqui às grandes pradarias observar tornados. Estamos na zona deles e, aqui em Nappanee, passo por vários abrigos que me dizem que este é um fenómeno com o qual é preciso aprender a conviver. Sim, é melhor ver filmes de Hollywood do que experimentar este tipo de calamidade atmosférica...

5 de dezembro de 2018

Na terra dos Amish: Nappanee (Indiana)

Pensava eu, erroneamente, que era na Pensilvânia onde existiam as maiores comunidades Amish. Afinal, é aqui em Nappanee no estado do Indiana onde vive a maioria da população desta comunidade religiosa. Os Amish da Pensilvânia são conhecidos por filmes como "A Testemunha" com o Harrison Ford, são, digamos mais turísticos e estão menos isolados do que estes aqui em Nappanee. Aliás, chegar aqui a esta interioridade leva horas e horas de "country roads" por entre milheirais e as vastas planícies do mid-West.
Viemos aqui sem intenção de vir. Calhou. Temos todo o tempo do mundo e viajamos sem destino fixo. Temos o luxo da viagem por nossa conta e essa é a melhor forma de viajar. Quando deixamos a estrada ser destino, o que ela nos mostra nunca é menos do que fabuloso.
Instalamo-nos numa estalagem Amish, que de Amish tem apenas a decoração e está perfeitamente adaptada ao nosso modo de vida século XXI. Percorremos as estradas e vamos vendo como vivem os Amish reais. Cumprimentam-nos afavelmente quando nos vêem passar. Eu a pensar que eles eram metidos consigo e, afinal, estão sempre prontos a levantar o braço e acenar a forasteiros. Vejo-lhes as casas, os buggies puxados a cavalo, as bicicletas. Vejo-os com as suas barbas de outros séculos, como nos tempos dos pioneiros e elas vestem-se de saias compridas, aventais e toucas no cabelo. Não usam botões porque são adornos. Vejo que a realidade é como aquela que tantas vezes me confronta nos documentários da televisão e penso como é que ainda se vive assim, perguntando-me se talvez não seja uma maneira sã de se fugir a um mundo hiper-tecnológico, hiper-rápido, hiper-consumista. Mas depois vejo-as a lavar roupa à mão em manhãs frias e deixo-me de cogitações.
Vamos a uma quinta Amish, para turista ver. Compro artesanato e sabão tira-nódoas feito de plantas. Falo um pouco de Alemão porque aqui se fala uma variante de Alemão antigo trazida para o Novo Mundo. A paragem na viagem é uma paragem no tempo. em breve regressamos à nossa era e ao caminho de asfalto.

1 de dezembro de 2018

Chicago

Não sei porquê mas, para mim, Chicago é azul. Os Invernos aqui não têm luz, o clima é continental extremo com calor espesso e humidade no Verão. Porém, vejo a cidade em azul. Deve ser o reflexo do enorme Lago Michigan, o azul-esverdeado do Rio Chicago que divide a cidade e o céu que dão a esta urbe este tom. Gosto de Chicago tanto como Nova Iorque. Ambas cosmopolitas, ambas projectadas na verticalidade, ambas rodeadas de água e ambas impossíveis em termos de obras, trânsito, vida agitada e Verões de roupa colada à pele pela humidade quente e pastosa e aguaceiros que se tornam água suja nas ruas.
Dir-se-á que Chicago e Nova Iorque são diferentes na sua atitude. Nova Iorque é a cidade que nunca dorme, onde é cada um por si no esforço de alcançar o sonho americano com pouco tempo a perder. Nova Iorque é a multiplicidade étnica e o local onde tudo e todos são possíveis. Chicago é o mid-West em versão excepcional, certo, mas, apesar de tudo, o mid-West. Aqui reina o gosto pelo Weather Channel e os Chicagoans parecem-me mais relaxados e menos incomodados pelo mundo do que os nova-iorquinos. Se Nova Iorque fosse uma cidade do interior, seria Chicago.