20 de fevereiro de 2019

Na casa de Mark Twain

Foi no ano em que as Torres foram abatidas que aqui estive pela primeira vez. Lembro-me do deslumbre alegre por estar na casa de um génio literário amado e lembro-me da estranheza da casa com a sua parafernália de maquinetas de última geração que Twain coleccionava. Não havia invenção recente que ele não levasse para casa. Um dos primeiros telefones em Hartford, pois é em Hartford, Connecticut, que estamos, um ferro eléctrico de encaracolar cabelo, maquinetas e engenhocas que eram os "gadgets" daquela altura. Nesse dia, como hoje, reparei no contraste entre esta casa tão masculina e a mais feminina de Harriet Beecher-Stowe que fica do lado oposto do jardim numa propriedade contígua. Esta é escura por fora e sombria por dentro, a outra é clara por fora e luminosa por dentro. Esta é interessante por ser de quem é mas tem algo de estranho que distancia. Chega a ser berrante e tenho de me lembrar que é a casa de quem me/nos deu Huckleberry Finn que eu gosto mais até do que As Aventuras de Tom Sawyer.
Ler Huckleberry Finn é mergulhar na leitura tal como Huck mergulhava no Mississippi. Ler Twain, que assim se chamava por ter trabalhado nos vapores do Mississippi e ter gostado da sonoridade de "mark twain", cujo significado é uma medição de profundidade de água segura para os barcos navegarem, é viajar no tempo e viver uma experiência quase tri-dimensional. Ler Twain é rir a gargalhadas, tal como é angustiar-se com a injustiça daqueles tempos. É, diria, impossível não simpatizarmos com Tom Sawyer e com com Huck Finn. Acho-os leituras aconchegantes, reminiscentes da minha infância feliz. Isso é Mark Twain. Já Samuel Clemens é o dono desta casa, um homem de públicos vícios e sagacidade mordaz, misógino como os tempos em que viveu mas privilegiando a educação das filhas. Twain é o génio, Clemens o homem.
Se gosto de aqui vir outra vez? Sim, mas sem o deslumbre primeiro.

1 comentário:

Dalma disse...

Muito em breve estarei nas margens do Mississipi... Mark Twain e Huckleberry estarão lá, na minha memória, sem dúvida alguma!