30 de março de 2013

Estou contente

Ontem à noite liguei para casa da minha irmã e atendeu-me o meu sobrinho: dois anos de gente que atende o telefone, fala com a Tia e desliga-lhe quando acha que já conversou o suficiente. Liguei segunda vez. Atendeu. E, de novo, falou o que teve para falar e desligou-me o telefone bem na cara. À terceira que liguei não se dignou a atender. Já tinha conversado tudo.
Hoje enfiei-me na cozinha às dez da manhã e só estou a sair agora (enquanto o forno faz o resto). No entrementes, plantei seis tulipas e lavei os tarecos do Spotty. Cozinho para amanhã. É doméstico. É. É a vidinha. É. Mas enquanto tiver esta, não escolho outra. Não escolhi esta nem deixei de escolher: aconteceu-me.
Amanhã de manhã embalo tudo e sigo para Lisboa. Deve ser a primeira vez que a Páscoa não é comemorada cá em Casa. É por uma boa causa. A Mana está extraordinariamente grávida e a Tia-Mana é para estas coisas. Vai ser tão bom e se é doméstico e comezinho, seja. É isto a súmula da minha vida: a Casa, o Spotty e, sobretudo, a família que restou do colapso, a família a quem a Primavera vai entrando através das escolhas e da passagem do Tempo, ressuscitando aos poucos numa outra Vida, fénix de uma outra que já passou.

Boa Páscoa!

28 de março de 2013

1553

Saiu hoje um estudo da União Europeia que revela que, em Portugal, um processo cível leva cerca de 1096 dias a ser resolvido, oito vezes mais do que a média europeia de 147 dias.
Fiz as contas aos meus dois processos de divórcio. Ao dia de hoje, o primeiro que entrou na justiça já leva 1553 dias, o outro menos quinze dias. Pelo menos há alguma coisa em que bato todos os recordes!
Aqui.

27 de março de 2013

Do inacreditável

Estar sentadinha a acabar um capítulo entediante sobre American newsmagazines e receber um sms de um laboratório de análises a dizer que não recebem nada meu desde Janeiro do ano passado e a pedir-me que vá ao médico.

Haver um ex-super espião colocado num super-emprego só porque tem uns super-poderes que ninguém sabe muito bem o que são mas que todos desconfiam o que são.

A lata de um canal público convidar uma persona non grata ao comum dos mortais para vir mandar uns bitaites na vida desgraçada desses mesmos comuns mortais.

Onde no mundo é que eu teria tanto por onde me surpreender?

25 de março de 2013

O que eu hoje perdi

Só hoje (com três dias de atraso) fiquei a saber que ficámos sem o Chinua Achebe. Não sei porquê sempre tive aquela sensação estranha e inexplicada que, se ele não tinha já morrido nos anos 70 ou 80, ia viver sem tempo até não haver tempo. Enfim, não errei por muito porque as palavras estarão cá sempre.

Hoje, também, fiquei a saber, numa das aulas que estive a dar a administradores escolares, que o que eu pensava ser o mítico Liceu Passos Manuel é, afinal uma escola TEIP (território educativo de intervenção prioritária), um eufemismo pomposo e oco para escola-problema. O que é que aconteceu no entretanto de eu pensar em mito e o mito ruir?

No resto, enquanto estiverem com ideias fixas de pôr o José Sócrates como comentador num canal público, não há RTP cá em casa.

Ida ao centro de saúde

Recebi a tal infame carta a dizer que eu não vou ao centro de saúde há mais de três anos. Em vez de me chatear com assuntos de lana caprina, o Estado devia dar-se por contente por a) eu ter saúde e b) não lhe dar despesas. Mas não, o Estado chateia-me e eu, sempre estupidamente cumpridora, lá me desloco ao tal do dito centro: edifício moderno e totalmente "infuncional". Só duas pessoas à minha frente e tenho de esperar meia hora para que me atendam. Quando chego ao guichet com a senha da alforria, a senhora que supostamente me vai atender levanta-se, sai do guichet e vai abrir a porta dos fundos a duas meninas que devem ser filhas de alguém que ali trabalha. Regressa ao guichet e diz que eu não tenho médico de família (whatever that is, porque a minha família sou só eu).
Ignorante, pergunto o que me acontece se, por acaso, precisasse de um médico:
- Ah, vinha cá. Nós abrimos às 8.00 e só pode marcar consulta no próprio dia.
- ?????????????
- Pode marcar por telefone mas não garantimos consulta. Convém chegar antes das 8.00. - Responde na sapiência máxima do funcionário de guichet, contra o qual eu não tenho nada, mas que me irrita solenemente.

Ou seja, pago impostos para isto. Recebo uma carta do mais idiota que imaginar se possa mas, afinal, não tenho médico. Gasto uma boa parte da manhã para nada e dou graças aos céus que ainda posso pagar um seguro de saúde privado. Isto de ser cidadão num país a esboroar-se é obra...

21 de março de 2013

Se fosse viva

Se fosse viva, a Mãe faria hoje 71 anos. Muito nova ainda. Mais jovem sempre nas nossas mentes que não viram o passar do Tempo por Ela.
Fazia anos trazendo a Primavera. E era como a Primavera. Vestia-se de cores que combinava com os cabelos e eu orgulhava-me de cada vez que via aquela mulher ir buscar-me à escola. Alegro-me por a memória me ter congelado essas imagens. A minha Mãe.
Quando Ela morreu comecei a contar o Tempo em decrescente. Hoje, são menos quase quinze anos. Sei que Ela vai lá estar como quando me ia buscar ao portão da escola à tarde e o sol a iluminava. Vai lá estar, elegante e sorridente, e eu vou ficar contente por ser Ela a minha Mãe.

Ó Mãe, tenho de fechar constantemente o coração às memórias de Ti. Estás aqui sempre e eu aprisiono-te para que me não doa a falta que sinto. Deixar-te inundar-me o pensamento leva-me à tristeza da Tua ausência e, por isso, esta luta titânica que constrói barragens onde Te acumulas até àqueles dias em que não Te consigo segurar.
Que ironia, Mãe. Mas são menos quase quinze anos...

20 de março de 2013

O estudo da Mercer

Ontem saiu um estudo da Mercer onde se compara os vencimentos do sector público com os do privado. Sabendo, de antemão, que me ia chatear, dei-me ao trabalho de ir ler o relatório. Se era para me pasmar, pasmei. Mas claro, eu sou loura, burra, luso-estrangeira e tirei um doutoramento na farinha Amparo e, por isso, não compreendo como se comparam incomparabilidades. Universos desproporcionais, dados enviesados, realidades distintas. Não se contam os cortes entretanto advindos dos últimos Orçamento de Estado. Não se explica que os contratos dos docentes do superior público são uma coisa e os dos privado outra. Enfim... Mas como, no cômputo geral, a função pública sai mal na imagem, isso é o que interessa ao povo e ao Governo. Venham os próximos cortes. 

18 de março de 2013

Desconectar-me

Tranco a casa Sexta à tarde. Vou trabalhar longe e non-stop até Sábado ao fim do dia. Regressarei a  casa já noitinha no Domingo. Não vejo mails. Não leio notícias. Não faço telefonemas. Os olhos vêem o mar revolto do Guincho. Há caminhos de água, hera e árvores caídas com vendavais na Serra. Lancho travesseiros e chocolate quente. Esqueço-me que vivo num país deprimido e esmagado. E surpreendo-me a cada pessoa que passa por mim que ainda vivamos tentando fazer como se nada fosse. Sinto-me feliz por ainda me restar a capacidade de me desligar do apetite noticioso e da tecnologia opressiva que nos traz a envolvente de depressão para a nossa beira.

16 de março de 2013

Receitas vindas do Body Combat

Aqui há dias perguntei a uma colega das sessões de body combat o que ela ia fazer para o jantar:
- Peixe frito e arroz de feijão.
Ouvi aquilo e deu-me uma fome e um apetite que não descansei enquanto não me pus a elaborar uma coisa parecida. Nunca fritei peixe na vida mas achei que não havia de morrer burra e, afinal, também não ia morrer se fizesse fritos um dia na vida.
Este fim-de-semana, com vagares e apetites, fiz um arroz de feijão espectacular e fritei peixe inspirada pelas receitas do Food Network: outro espectáculo. Cá vai:
 
Arroz de Feijão
Ingredientes (para um panelão de arroz):
1 chávena grande de arroz
2 frascos de feijão encarnado cozido
1 lata grande de tomate pelado
1 cebola grande
6 dentes de alho
2 folhas de louro
1 frasquinho de tomate seco (usei dos que eu sequei no Verão)
Mangericão a gosto
Colorau a gosto
Azeite
1/2 colher de chá de açúcar
3 chávenas de água

Refogar no azeite os alhos picados, a cebola e as folhas de louro. Quando a cebola estiver transparente, juntar o tomate pelado cortado aos cubinhos e o seu sumo. Juntar a colherzinha de açúcar para cortar a acidez e juntar também o mangericão e o colorau. Deixar apurar um pouco até o tomate estar cozido. Depois, adicionar o tomate seco cortado em pedacinhos e deixar mais um pouco a ganhar gosto. Juntar a água a ferver e o arroz. A meio da cozedura do arroz deitar o feijão no preparado e acabar de cozer. Acrescentar água se for necessário para o arroz ficar "malandrinho". Um sucesso de bom.

Peixe frito à la Blonde
Ingredientes:
Postas de pescada para fritar
Farinha de trigo
Farinha de milho
Farinha de pau
Colorau
Caril
Orégãos secos
Sumo de limão
Óleo para fritar (deep fry)

Deixar o peixe marinar em limão algumas horas. Num pirex ou noutro recipiente fundo misturar as farinhas com colorau e caril a gosto e com os orégãos. Aquecer muito bem o óleo. Envolver generosamente cada posta na mistura seca (eu repeti a operação duas vezes por cada posta) e fritar no óleo bem quente. Depois de fritas, escorrer as postas em papel absorvente. Servir com o arroz.
 
Uma receita bem portuguesa e saborosa que eu adorei fazer.

15 de março de 2013

Lido no Paul Theroux

A tradução amárica (etíope) de E Tudo o Vento Levou foi feita por um prisioneiro político. Não havia livros na prisão até que um dia uma cópia do livro entrou secretamente nas celas. 350 homens partilharam o livro podendo lê-lo durante uma hora por dia, em turnos, até que um deles:

"'I decided to translate it. I had no paper, so for paper I smoothed out the foil from cigarette packs and used the back side. A pen was smuggled in. I wrote very small. But still I had to share the copy of the book - I could only have it for one hour. The translation took two years. I wrote it on 3000 sheets of cigarette foil. One by one, I folded these up and put them back into cigarette packs and when the prisoners were released they took them out of prison.'
Nebiy [o prisioneiro] remained in prison for seven years. On his release, he looked for the 3000 sheets that contained his translation of Gone with the Wind. Locating them and gathering them took him two years of travel and inquiry. At last, he published his translation of the novel and this is the translation that Ethiopians read."
                                                             Loosely quoted from Paul Theroux, Dark Star Safari.

Quando nós pensamos que estamos mal, quando damos tudo por adquirido, levamos estes murros no estômago e não podemos deixar de nos reduzir à nossa humilde insignificância...

13 de março de 2013

Este homem escreveu-me há um ano

Entretanto lançou uma nova série na BBC chamada "Africa", esteve a filmar na China, está a filmar uma série sobre conservacionismo no Reino Unido, foi a milhões de programas de entretenimento, o último dos quais em Fevereiro deste ano, o Jonathan Ross Show, e isto tudo aos oitenta e muitos anos. Que tenha tido tempo e disposição para me escrever acho surpreendente.
I feel so humbled...

11 de março de 2013

Possessésima com o diabo do IMI

A minha querida Ältere Leute enviou-me um esclarecedor mapa de como os concelhos portugueses estão a cobrar o IMI. Verifiquei, pasma, que o concelho onde tenho a casa e os terrenos aplica a brilhante taxa de 0,48% num máximo de 0,5%. Ora, trata-se isto de um concelho rural onde o IMI para os terrenos agrícolas é, pasme-se também, de 0,8%.
Pergunto-me, a malta da Câmara aqui do burgo deve dar-lhe nas smartshops, com certeza. Segundo, pela lei deste país desgovernado, os terrenos agrícolas são sujeitos a taxas de IMI superiores aos prédios urbanos. Pergunto-me também: mas como é que alguém pode esperar que a agricultura renasça das cinzas?
Vendo o resto do mapa, concelhos como Lisboa aplicam a taxa reduzida de IMI, o mesmo sucedendo aos concelhos alentejanos. Um dia destes passo-me da cabeça, vendo a cangalhada toda (na hipótese remota de haver comprador), compro uma herdade no Alentejo e dedico-me ao azeite e a ver as cegonhas. Estou fula!

9 de março de 2013

Panna Cota aldrabada

Vi esta receita fabulástica no blog Come Chocolates, Pequena, que é um daqueles blogs que me inspiram e me fazem pensar que até devo conseguir umas coisas. E, se melhor a vi, mais depressa a fiz. Porém, dada a minha incapacidade nata de seguir receitas, a coisa fez-se para o lado da aldrabice depois de eu queimar os dedos a fazer caramelo, queimar o tachinho do caramelo, embodegar os dedos e a bancada nas sementes de baunilha, não conseguir desfazer as folhas de gelatina e acabar com uma bola dura de caramelo enrolada na colher de pau. Ao fim e ao resto, a coisa até nem saiu tão desastrada como a Blonde que a fez. Cá vai com os obrigadas à CNS.

Panna Cota (muito) aldrabada
Ingredientes:
500ml de crème légere
200ml de leite
1 vagem de baunilha
1 pitada de sal
250grs de açúcar
125ml de água
7 folhas de gelatina (o original diz 5 mas as minhas eram muito pequeninas)

Levar ao lume o leite, o crème légere, as sementes de baunilha, raspadas da vagem, e a pitada de sal. Mexer bem e deixar levantar fervura. Num tachinho levar o açúcar e a água a fazer caramelo (operação delicada e potencialmente perigosa - pelo menos para Blondes na cozinha). Quando o caramelo estiver feito juntar ao preparado do leite (a CNS diz que é o preparado do leite que se deve juntar ao caramelo e eu acho que ela deve ter razão porque o meu preparado ia explodindo quando o caramelo a ferver lá entrou). Por último, desfazer a gelatina num pouco de água a ferver (o original diz água fria, mas a experiência não me correu bem) e juntar, mexendo bem, ao preparado anterior.
Colocar em tacinhas ou numa taça grande, que foi o que eu fiz para me dar menos trabalho, e levar a solidificar no frigorífico.
Contra todas as minhas expectativas (e o facto de a cozinha ter ficado a parecer um cenário de guerra), ficou uma coisa deliciosa. Mas para a próxima deixo-me de brincadeiras e uso caramelo de compra:) 

8 de março de 2013

Detesto o Dia da Mulher

Detesto o Dia da Mulher porque a mera existência de um dia destes significa o paternalismo de uma sociedade longe de igualitária. Há um Dia da Criança mas não um do adulto. Há um Dia do Trabalhador mas não um do patrão. Há um Dia da Mulher e não um do homem.
E depois é neste dia que nos lembramos das penalizações que temos só por sermos mulheres. Os salários mais baixos que recebemos, os telhados de vidro que nos impedem o topo, a maternidade que nos tolhe a carreira ou a carreira que nos tolhe a maternidade, as escolhas que constantemente temos de fazer, a acumulação da domesticidade com o emprego, a violência e o abuso. Anseio por um dia em que este dia não seja necessário. Espero que a minha sobrinha por nascer já não precise de um dia destes.

6 de março de 2013

Com tanta gente a morrer na Síria

E os jornais embandeiraram a morte do Chávez. Isto, de facto, andamos com as prioridades morais todas trocadas.

2 de março de 2013

Manhã de Sábado diferente

Gosto de rotinas. Talvez que a minha educação alemã muito conforme à disciplina me tenha feito apreciar a rotina: saber o que me espera, contar com a organização do tempo em prateleiras limpas do pó. E neste andar assim, as minhas manhãs de Sábado começam como todas as manhãs de Sábado com uma sessão de Pillates bem cedinho. Hoje não.
Deitei-me tarde, pus o despertador para não perder a aula. a meio da noite desliguei o despertador. Acordei à mesma à hora prevista para não perder a aula. Forcei-me a não me levantar. Imaginei que não me importava de não ir ao Pillates e desobedeci-me.
Resultado, se eu tivesse ido ao Pillates não teria estado em casa quando uma vizinha me chamou para me dar um periquito todo branquinho que me bicou os dedos todos (e se têm força os diabretes!). Enfim, coisas da vida no campo e de quando eu me ponho a inventar a vida.
É muito giro o bichinho... (e esta Casa qualquer dia mais parece a quinta da bicharada).