31 de julho de 2014

O anel de não-casamento

Em princípios de Maio lembrei-me da minha aliança. O divórcio arrastava-se há quase seis anos sem fim à vista. Gosto de jóias e não me desfaço delas mesmo que me sejam desagradáveis na memória como era o caso desta aliança que, em tempos, mandei fazer, como mando fazer grande parte das jóias que não me chegaram por herança ou presente.
Ouro amarelo com embutidos de esmalte azul foi a aliança da noiva que fui num passado distante. Em princípios de Maio decidi dar-lhe nova vida. Mandei parti-la, como partido estava o que ela significava, e, na junção, mandei pôr uma pedra de lápis-lazuli para dar com o esmalte. Mandei também apagar a inscrição que a ligava ao passado.
Dei a encomenda a fazer e parti para Paris. Quando regresso, o ourives encontra-me casualmente na rua e diz que já cortou a aliança e que só lhe falta escolher a pedra. Por coincidência, assim que chego a casa tenho um mail do tribunal, o mail que poria fim a seis anos de peleja na justiça e que me libertaria. Penso na coincidência da aliança partida e da resolução do divórcio. Não acredito neste tipo de coincidência cósmica mas que aconteceu, aconteceu e não deixo de imaginar o eterno "e se...": e se eu tivesse mandado partir a aliança logo em 2008? Não vale a pensa pensar.
Fui buscá-la hoje e baptizei-a de imediato "Unwedding Ring". Vou usá-la orgulhosa como símbolo de libertação e de resiliência. A aliança que se transformou em jóia, em anel único e vivido. Deixei de ter uma aliança, passei a ter mais um anel na colecção. Estou feliz. E aliviada.
  

27 de julho de 2014

Paixão por hera

Tenho uma paixão assolapada por hera: hera nos muros, hera nas casas, hera, enfim. No final de Agosto, a Casa vai ser pintada e a hera é sempre uma dor de cabeça porque há duas empenas que estão forradas dela (ontem veio cá a jardineira e teve de lhe dar um desbastezinho).
- Ó Dona Blonde e o que quer fazer às paredes com a hera?
- Nada.
- Nada?! Então e como é que pintamos?
- Não pintam.
- Não pintamos?
- Não.
O que é que hei-de fazer? Bem sei que hera não é muito saudável para paredes. Mas eu amo paredes cobertas de hera. Aliás, eu amo paredes vegetais.
À conta da preparação para as pinturas, a bougainvília ontem também sofreu um desbaste que valah-me Cristo. Mas enfim, essa cresce mais depressa do que a hera e para o ano que vem já deve chegar a meio da parede.
Graças a Deus que pinturas destas são só de vinte em vinte anos. Depois disto posso descansar duas décadas mais as minhas trepadeiras...

25 de julho de 2014

Em dias assim

Em dias assim, que não sei porquê sabe-me sempre melhor dizer "on days like this", uma pessoa sai de casa neste campo, que é campo longe de mar, e cheira-lhe a maresia na manhã fresca e céu carregado de água.
Em dias assim gosto tanto do ar pleno de mar.

23 de julho de 2014

Tradução de mim

Não costumo fazer traduções. O que quer que tenha para escrever escrevo na língua em que tiver de escrever. Só que agora a Vida colocou-me um desafio: traduzir o que o meu pensamento debitou para uma das línguas em que penso e falo para a outra língua em que penso e falo. Ora, isto é tão engraçado como difícil.
Quando uma pessoa é equilíngue não há tradução na cabeça. Se é para escrever em Inglês, a cabeça está em Inglês e o texto sai numa matriz anglófona. Se é para escrever em Português, a cabeça está em Português e o texto sai na lusitanidade da língua. A coisa muda de figura quando temos de traduzir um original que pensámos numa língua para a outra.
Descubro um redobrado respeito pelos tradutores e não sei como fazem para ultrapassarem as barreiras culturais da(s) língua(s). E também percebo porque é que me é tão penoso ler traduções e porque é que tradução é reescrita, por um lado, e perda por outro.
Seja como for, acho que não conseguiria dar textos meus para traduzir porque só eu sei o que vai na minha cabeça e só eu sei como é que uma língua pode dizer o quero dizer na outra. Enfim, estou aqui ainda na perplexidade de ter de traduzir um texto meu para outra das minhas línguas. As coisas que descubro... Sim, estou meia zonza de perplexidade. 



21 de julho de 2014

Super-Tia-mãe e farras campestres

Ainda não me tinha estreado a levar os meus sobrinhos a festanças e grandes socializações. Aconteceu que tinha um convite para uma bela de uma churrascada neste fim-de-semana e, por coincidência, os meus sobrinhos vinham cá para casa passar estes dias. E não é que a Super-Tia-mãe conseguiu levar miúdos e tralhas à festa? Estou tão orgulhosa do feito!
O pingente de três anos assim que chegou misturou-se logo na festa e, havendo animais por perto (afinal isto é Green Acres), ainda melhor se ambientou. A pingente de um ano andou de colo em colo, com preferência para colinho masculino (a esperta, hein?!) e a Tia que se secundarizasse porque festa é festa e muito colo é sempre bom.
Ainda não tinha vivenciado os meus sobrinhos em contextos fora da minha casa. Gostei. Agradeço-lhes cada novo capítulo que abrem na minha vida e o que me enriquecem enquanto pessoa com capacidade de amar. E a cada dia me espanto com a diferença que duas crianças fazem numa vida...

18 de julho de 2014

Limões e o Senhor Meu Pai

O Senhor Meu Pai acha, e com justa e justificada razão, que eu ainda tenho um longo, quiçá infrutífero, percurso até chegar a saber umas coisas sobre agriculturas, jardinagens e todos os seus correlativos. Assim, o Senhor Meu Pai acha sempre, e talvez com justa e justificada razão, que eu tenho perpetuamente o jardim numa miséria e que quem me toma conta do dito (dada a minha gritante incapacidade) também percebe tanto ou menos do que eu sobre coisas campestres.
Vai daí, de vez em quando, o Senhor Meu Pai toma-se de ímpetos e aparece-me por cá com fúrias de poda (normalmente não lhe dá doutras mas poda é-lhe irresistível). No ano passado desbastou o limoeiro de tal maneira que este ano o coitadito, em vez de produzir limões normais (dos do tamanho de uma coisa insignificante a meio da foto), desfaz-se na produção de umas bizarmas gigantescas que nem sequer me cabem no espremedor. Ele há prodígios: uns chamam-se Senhor Meu Pai, outros fazem limonada.
Mein Vati...

16 de julho de 2014

As coisas que o presente faz

Ando a pesquisar coisas velhas de família. Por alguma razão gosto das coisas velhas, fico com as coisas velhas, estimo as coisas velhas. Deve ser por isso que vivo na Casa que era dos meus pais, mobilada com coisas de avós e bisavós, tios longínquos de passado sem filhos cujos legados me chegaram através de laços mais recentes. Isto para dizer que o presente gosta muito de se superiorizar ao passado.
Há uma quinta mítica neste passado que ando a pesquisar. Descobri-lhe o presente hoje movida pela curiosidade que me traz do passado. Está à venda por nove milhões de euros para empreendimento turístico e urbanístico de gama alta. Há uma crise imobiliária e a quinta mítica lá está, suspensa num anúncio prolongado num presente também suspenso entre o que foi de passado e o sofrimento do que será no futuro.
Tem dias que estranho este presente...

14 de julho de 2014

Weltmeister!

Mais custoso do que eu estava à espera mas valeu os nervos. Sieger!
Por um dia, e um dia apenas, deixei de lado o ódio de estimação ao Schweinsteiger à conta da pancada toda que ele levou. E por um dia, e um dia apenas, até me esqueci que o Bayern München me irrita bestialmente (também, quem é que o Löw levou do Borussia Mönchengladbach? Pois...).


Agora, o que eu não entendo é como é que dão o troféu de melhor jogador ao Messi. Ao Messi? Então e o Müller? E o Robben? E o Van Persie? É só porque o Messi é uma estrela das revistas e os outros, coitados, são só jogadores de bola. E todo o mundo prefere a (boa da) Argentina à (má da) Alemanha ou à (pacata da) Holanda.


E a outra coisa que eu não percebo são os nossos jornalistas e comentadores desportivos. Qual imparcialidade, qual quê? Ou estão claramente pelo Brasil ou estão claramente pela Argentina como se o Brasil e a Argentina fossem mais nossos amigos que a Alemanha, ou como se a Alemanha fosse o eterno Infiel vilão. Aborrece-me isso, essa parcialidade. Aborrece-me que fiquem chateados por o Klose (que nem sequer é alemão de nascença) ter mais golos em mundiais do que o Ronaldo (o brasileiro) e lhe retirarem importância a esse facto, só porque não é um jogador exuberante e/ou brasileiro. Aborrece-me que chamem Panzers aos jogadores alemães, como se fossem todos umas bestas arrasadoras (olhem o Götze ou o Lahm). Aborrece-me que chamem táctico e desinspirado ao futebol alemão, como se táctico e desinspirado não lhes ganhasse troféus e não lhes pusesse quatro estrelas na camisola.


E pronto, ontem regressei às origens (que também tenho direito), hoje volto à lusitanidade. 

13 de julho de 2014

Alentejo: hoje no "The Guardian"

Começo a ler "Forget Ibiza. Forget the Riviera" e, sabendo do coração britânico, penso que vou ter uma surpresa e que vão falar neutralmente das maravilhas do Alentejo como o superior destino de férias, a última jóia das praias europeias por descobrir. Pois sim... Falam disso tudo, só que do ponto de vista da altivez com que olham o resto do mundo: na subalternidade. Na verdade, o artigo é a descrição encantatória de um sítio descomunalmente belo mas é a descrição britânica, não o esqueçamos:
- O Alentejo é um paraíso perdido com 40 ou 50 anos de atraso face à Europa;
- Não é a Toscânia porque não é tão bonito;
- Não é a Provença porque a sua gastronomia não é tão sofisticada.
Deixei de ler.
Quem se der ao trabalho, aqui:
http://www.theguardian.com/travel/2014/jul/12/-sp-portugal-alentejo-region-europe-finest-beaches




12 de julho de 2014

Dos serões inesperados

- Estou?
- Olha, estás em Lisboa?
- Estou.
- Por acaso não estás com um top verde?
- Estou.
- E por acaso não estás no Jardim do Torel?
- Estou...?!
- Eu logo vi que só podias ser tu pelo cabelo.
-...?!
- Quando acabares aí, vem cá.

O aí, uma sessão de lançamento de agora não importa. O povo da praça pública e eu só fui por companhia que me agrada. O telefonema é outra coisa. O cá, um serão andaluz que me foi totalmente inesperado, no que o inesperado tem de inusitado e imprevisível. Um serão numa Lisboa com ganas de espanhola e eu que tenho um "mantón" tão bonito... em casa. O jantar um improviso de tapas numa mesa comunal corrida, quando eu ia jantar "num sítio bonito" de todos os requintes. A felicidade que dura umas horas inesperadas.
Gracias, guapa!


9 de julho de 2014

A melhor que li dos 7-1

Foi um tweet nem sei de quem algures no Spiegel: "Weltmeister ist noch niemand im Halbfinale geworden" e que é algo como "ninguém é campeão do mundo nas meias-finais". That's the spirit, I say!

8 de julho de 2014

E ainda (só) vamos no 5-0

E a minha máxima pena é que não seja Portugal a dar-me destas alegrias... E mais a eterna constatação de que não tenho nacionalidade definida.

7 de julho de 2014

Um pequeno passo para o Homem, um quase-nada para os animais

Parece que os maus tratos a animais sempre vão passar de contra-ordenações a crime público. Sim, são boas notícias, tardias, mas que chegam por fim. Agora, não são notícias de alegria.
Como é que se fiscaliza quem abandona animais? Quem fiscaliza o que se passa dentro da casa de donos negligentes? Quem vê o que se passa dos portões privados para dentro? Quem vai acabar com aspectos culturais que têm no centro a supremacia humana face aos animais? Quem obsta à experimentação laboratorial? Quem, como e etcs.?
Sim, os maus tratos a animais vão ser crime público, e daí? Não é isso que vai impedir a continuação dos abusos sobre as espécies "inferiores" à nossa racionalidade. Configurarmos um crime público mais não significa do que reconhecermos a nossa incivilidade e a necessidade do chicote da lei. Mas, enfim, seja como for, sempre é um pequeno passo que é melhor do que nada para o coração de quem acha que a Vida, humana e outra, é o que faz este planeta o tão especial e milagroso que é no infinito cósmico em que habitamos.

5 de julho de 2014

A semi-escolha e o fim das escolhas

O que eu mais gosto nos Mundiais de Futebol, ou noutras grandes provas desportivas, é a parte dos hinos. Não sou capaz de assistir a um Portugal-Alemanha mas fico para os hinos, os hinos que me tocam, os hinos dos dois países que em pátria me revejo e os dois países que me fazem sentir eternamente estrangeira. Aqui acham-me estrangeira. Lá estrangeira sou.
Ontem a Mannschaft (e eu gosto tanto mais de Mannschaft, equipa, do que Selecção: equipa é união, selecção é uma coisa externa e só isto dá para ver a diferença de ethos entre estas duas "minhas" nações) ganhou à França. Não vou dizer o óbvio, claro. Mas ontem, mais importante do que qualquer vitória de bola foi o parlamento alemão ter aprovado legislação para quem nasce sob a sina que me assistiu. Não mais quem nasça nestas circunstâncias terá de se confrontar com uma escolha. Eu fiz a minha há muitos anos, e para espanto do Pai, escolhi a lusitanidade sem perda de naturalidade (que tanta chatice burocrática me dá). Nunca soube, e nunca saberei, se fiz bem ou mal. Fosse qual fosse a nacionalidade que eu escolhesse seria sempre estrangeira. Portanto, tanto se me faz como se me fez porque o Nós me está vedado e eu estarei sempre no espaço de Eles.
E sim, ontem ouvi um hino do Haydn, que nunca foi "Deutschland über alles", e, tomada de uma nova consciência de mudança(s), gostei de o ouvir..

3 de julho de 2014

Deixou de ser bebé

2 de Julho de 2014, 18.00
A minha sobrinha Maggie, treze meses de gente, começou a andar sózinha e a Tia deu-se conta de que um bebé se transformou em menina pequenina. Há dias felizes! Ámen.

2 de julho de 2014

1 mês: Desfecho de um divórcio, parte IX

Tirando o que se vai passar em Estrasburgo, não me apetece voltar a escrever sobre as infâmias do meu absurdamente longo processo de divórcio. Há, porém, uma necessidade de fechar capítulos e hoje cumpre-se precisamente um mês sobre o acordo extra-judicial que definiu a minha liberdade (homologação ainda pendente na justiça e mais os seus invariáveis atrasos crónicos).
Quase seis anos de litígio e o acordo tem apenas meia página:
. o Réu reconhece que a Autora é a única proprietária de xpto;
. o Réu e a Autora reconhecem que não existem bens comuns do casal.
Assim. Nada mais de especial e eu estive cativa da Maldade, da tal banalidade do mal de que fala a Hannah Arendt, com pleno acordo da justiça portuguesa durante quase seis anos, mais o tempo que se irá passar até os dois juízes homologarem o divórcio. Por mais que eu queira racionalizar ou perceber não consigo. Apenas me consolo num: "Acabou!" O litígio acabou, a justiça ainda não...