28 de fevereiro de 2013

Como se já não soubéssemos

Como se já não soubéssemos, Lisboa foi eleita como uma das cidades mais encantadoras do mundo: a quarta para o Urban City Guides. Ainda conheço mal Lisboa. Mas lembro-me bem da primeira vez que percebi que gostava dela. Por coincidência, descobri gostar de Lisboa ao mesmo tempo que descobri o que são saudades. E descobri umas por causa da outra.
Tinha acabado de escolher a nacionalidade portuguesa e regressei à Alemanha para estudar como estrangeira (as coisas dos 18 anos e de não sabermos quem somos). Verifiquei perplexa que me tinha aportuguesado mais do que eu suspeitava ou admitia. E lembro-me de me lembrar de Lisboa. Não Lisboa como cidade, mas a tal Lisboa branca de luz transparente, tão diferente da luz amarela da minha ex-pátria. Nessa distância percebi tudo. Uma avalanche única e súbita e quis regressar movida pela curiosidade de comprovar a luz que então só me vinha à memória. Esqueci-me dos passeios sujos e esburacados, do alcatrão excessivo e pouco arborizado das avenidas novas, das pinturas descascadas e só me lembrava de calçadas íngremes e brancas, polidas pelo uso. E lembrava-me do Tejo azul em perpétuo pano de fundo. O Tejo que se vislumbra em nesgas ao fim das ruas. Também quis o Tejo. Eram as saudades de que só a alma lusa se poderia lembrar de sentir.
Regressei e esqueci as saudades. Dou Lisboa por garantida. Mas gosto de a saber lá à espera que me lembre dela
Aqui.

27 de fevereiro de 2013

Varro as estações

Varro estações em dias de sol. Varro folhas no Outono. Galhos, últimas folhas mortas e restos de ventania no Inverno. Varro pétalas aos montes na Primavera. E frutos passados de maduros no Verão. Tem dias que gosto apesar de não gostar. Mas gosto sempre do resultado e o quintal até parece que cresce e se alegra com o penteado novo e arranjado. Mas, caramba, dá tanto trabalho...

25 de fevereiro de 2013

Pobres de nós (todos)

A edição impressa de O Público de hoje refere que o ensino superior já perdeu mil professores desde o ano passado. Mil professores! Mil num universo que é um centésimo dos professores dos outros níveis. Conheço-os, os que saem. Quem pode pede reformas antecipadas sem se preocupar se fica a perder rendimentos ou não. Quem pode emigra, sobretudo para o Brasil. E quem ainda não saiu considera a hipótese. E não se pense que quem está a sair são só os professores mais velhos em fim de carreira ou os mais jovens em início. Quem está a emigrar são os professores no auge das carreiras, a mais-valia que sustenta a investigação e a leccionação nas universidades: o músculo.
Se me admiro: não. Se me preocupo: imenso. Penso na desagregação social que se vai processando neste país. Penso no desmantelamento das instituições, no futuro arrestado. Penso em notícias como as do Expresso dando conta de que os únicos salários que têm descido neste país são os dos licenciados. Penso na lata que devo ter quando tenho alunos que vão ser esses tais licenciados. E depois penso que ninguém percebe ou quer perceber estas coisas.
Pobre país que acha que a educação é um luxo...

20 de fevereiro de 2013

Atonement-Expiação

Comprei o livro há uns anos em Londres. Outro livro para o tempo livre que não tenho, para as boas intenções que não se materializam, para a velhice em que espero ler as centenas de livros que vou comprando por necessidade, por gosto, por não saber viver sem comprar livros. Nunca li mais do que os primeiros capítulos. Pu-lo primeiro em cima da mesa de cabeceira. Prioridade urgente. Depois passou para a estante do quarto em frente à cama. Prioridade não urgente. Depois passou para a banqueta aos pés da cama. Ressurreição precisa-se. E aí tem estado. Por sorte nunca o remeti à biblioteca: a terra onde descansam os livros lidos, os livros herdados e aqueles que não passam de intenções.
Este fim-de-semana vi o filme. E eu sei que não se deve ver um filme sem antes ler o livro. É uma destruição de intimidade. Uma traição ao potencial criativo que um livro encerra para cada um dos seus leitores. Quando retomar a leitura já vou com as caras pré-feitas, os cenários, as roupas e as cores. Enfim...
Ainda pensei desistir do filme. Afinal, que poder não temos com um comando? Perseverei e ainda bem que o fiz. Lembrei-me da Tante Ruth, a minha única tia sobrevivente da Guerra. Pensei em toda essa geração pela qual nutro uma admiração para lá do respeito e das palavras. Gente que realmente viveu e impediu que nos aniquilássemos. Gente com um passado e que o soube superar, caminhando em silêncio ao seu lado. Gente que estamos a perder, como perdi a Tante Henny. O que pensarão de nós as gerações que assistirão à nossa velhice? Que respeito terão pelas nossas tragédias pessoais e a experiência que carregamos?
No final, apeteceu-me repegar o livro. Reviver as caras, as cores, os cenários e as roupas. Sobretudo, apeteceu-me ler as palavras originais e fazer delas pensamentos que não passam pelo filme.

19 de fevereiro de 2013

A culpa foi de quem convidou o Ministro

Mas quem é que no seu juízo perfeito convida justo este Ministro, Dr. por equivalências, a ir a uma universidade onde o que as pessoas fazem é estudar?
Ainda estou parva... (com a ingenuidade do convite).

17 de fevereiro de 2013

Outras cenas que me enternecem... muito

Passa com a mochila às costas todos os dias à minha porta. Detém-se em festas ao Spotty. Deve ter uns catorze ou quinze anitos no corpo adolescente desengonçado. Aqui há umas semanas, abri a janela e falei-lhe. Disse-lhe como se chama o cãozinho a que ele dá festas todos os dias. Ao fim de tantos meses de fidelidades mútuas ficou a saber o nome do amigo que já sabe quando ele está para vir.
- Gostas do Spotty? - Perguntei, sabendo que sim.
- Sim, lembra-me o meu cão. - Respondeu com os olhos cravados no bicho enquanto lhe continuava a dar festas.
- Então tens um cão parecido com o Spotty?
- Não.
- Então?
- Tive, mas morreu.
- Foi? E foi há muito tempo?
- Sim.
- Há quanto?
- Eu tinha dois anos.
Enterneci-me mornamente. Pensei num miudito da idade do meu sobrinho a brincar com um cão e como isso lhe ficou na memória afectiva. Quase me apeteceu dar-lhe o Spotty num assomo de ternura partilhada. A vida, porém, não se compadece com estes momentos e esse apetecimento não teria um bom resultado. Presumo que o miúdo viva num apartamento e que os pais não aprovassem o meu presente. Calei o impulso e fiquei a pensar que lembranças o meu sobrinho terá um dia do cãozinho branco super feliz de quem ele se despede:
- Bye, bye, Spot, ca-cão.
Ontem o miúdo passou por aqui. Trazia um colega. Fizeram festas ao Spotty. Encostaram-lhe o rosto por entre as grades do portão e esperaram lambidelas contentes. Não abri a janela... 

15 de fevereiro de 2013

Cenas que me enternecem

Por razões estritamente profissionais, e sob intenso protesto, facebookei-me há coisa de quinze dias. Hoje tinha esta mensagem:
"hello,
i was your student during my erasmus stay in lisbon couple of years back. i certainly do not expect you'd remember me any particulary, so purpose of this entire message remains rather simple: i'd like to let you know that you were one of the most favorite professor i had the privilege to meet (and not only during my time in portugal). i'm using this rather post-personal medium because i wasted my only chance to express this directly in person. maybe i do not really need to know this and maybe i really do not know why i do so (so late), but what i know how important it is to know that even one person can have positive impact on complete strangers.
sincerely,
X"
Afinal, nem tudo é mau no infame Facebook...

14 de fevereiro de 2013

Mas que época pimba!

Ainda podia dizer que é da idade, mas não é. Nunca achei a mínima piada nem ao Carnaval (então aquele da minha terra, Colónia, é de fugir!), e menos graça acho aos ursinhos, e coraçõezinhos, e demais pimbalhices desta coisa do dia dos namorados. Ó valha-me Deus, que felizmente este ano se concentra tudo numa semana que é para acabar depressa. Livra!

11 de fevereiro de 2013

Correio só para o lixo

Já lá vai o tempo em que receber correio era uma coisa boa. Lembro-me de antecipar cartas de penfriends e de os postais de Natal encherem a caixa do correio. Era um ritual diário a hora em que o carteiro aparecia na sua mota, com a sacola cheia de notícias escritas. Agora só recebo contas, notificações do tribunal nos dias em que os juízes se lembram que é bom fingirem que fazem qualquer coisa e lixo. Hoje foi dia de lixo: uma carta da Sephora com promoções de produtos que não uso e não me fazem falta, uma carta da Securitas para eu recomendar a instalação de alarmes a amigos meus que, por acaso e neste momento, nem devem ter capital para tamanhos devaneios, uma carta da EDPHomeEnergy, que eu nem sabia que existia mas que, pelos vistos, até já me instruiu um processo, com número de referência e tudo, para eu instalar painéis solares e o já habitual folheto para eu ir fazer um rastreio auditivo.
Lixo, lixo e mais lixo. Papel estragado em vão e eu aqui a pensar que o correio já não é o que era.

10 de fevereiro de 2013

Ontem e hoje


Ontem esteve um dia daqueles de um sol manso e temperatura suave, um dia daqueles como devem ser os dias no paraíso. Fui dar uma caminhada aqui pelos campos. Três quilómetros de camomilas, lírios, gente a podar as vinhas no tardio da época e basicamente a Primavera a dizer que está a chegar. Senti que podia andar horas e horas a fio naquela placidez de alma. Hoje a caminhada foi uma coisa mais séria. Onze quilómetros por entre matos, vales e montes. Frio, vento e mesmo quase à chegada da meta: chuva. Abrigámo-nos num restaurante de caçadores com uma lareira que mal aquecia. Parece, entre ontem e hoje, que os hemisférios se trocaram. Da Primavera doce passámos à desagradibilidade da invernia. O passeio foi óptimo mas eu tinha dispensado a chuva...

9 de fevereiro de 2013

Lincoln

Confesso que fui ver o "Lincoln" mais pelo Daniel Day-Lewis do que pela personagem histórica com a qual nunca simpatizei grandemente. Certo que libertou os escravos e era um paladino dos direitos humanos. Mas a sua melancolia crónica, a rigidez de pensamento e o ver as coisas unicamente a preto e branco (no que a ausência de cor torna o filme muito compatível com o homem e a sua dimensão de pessoa real) nunca me fizeram Lincoln particularmente agradável. Vejo-o um pouco como Gladstone, o Primeiro Ministro britânico que passou a vida a defender o Home Rule irlandês, e que não tinha ponta de agreabilidade face, por exemplo, ao seu eterno rival Disraeli, o imperialista feroz, que o Eça de Queirós abominava, e que eu acho um homem muito mais simpático de carácter, um homem que escrevia romances de cordel para se distrair da política e se vestia com cores e gostava de viver.
Penso, porém, que este "Lincoln" nem pelo Day-Lewis se escapa. Morno até dizer chega. Faltou-lhe urgência. Ou então foi tão bom, tão magistral que eu, que não simpatizava com o Lincoln real, saí sem simpatizar com o Lincoln dramatizado. Também há uma outra versão que é quando se trata de gigantes, de pessoas que foram ou são maiores do que a humanidade em que incarnam, mais vale deixá-las em paz, vivas apenas no que pensamos, sabemos ou herdámos delas. 

7 de fevereiro de 2013

Os frigoríficos regressaram aos anos 80

Encontrei este título no Publico e achei giríssimo (há muito que nenhum título da imprensa me apelava assim). Chama-se "Os anos 80 estão de regresso aos frigoríficos dos portugueses" e baseia-se nas conclusões de um estudo para aferir dos hábitos de consumo de bens essenciais pelos portugueses. Pretendeu-se mostrar como, e em que segmentos, a crise está a afectar o consumo dos portugueses ao nível dos bens ditos de primeira necessidade. Os resultados mostram a emergência de um "novo normal", um consumidor mais moderado, que não compra tantos refrigerantes, sobremesas lácteas ou queijos fatiados. Um consumidor parecido ao dos anos 80 que começa a levar marmita para o emprego e que, no caso das classes média baixa e abaixo compra nas lojas discount como o Lidl e prefere marcas brancas.
Pois eu faço a minha leitura e digo que nunca saí dos anos 80 e que, apesar do meu escalão sócioeconómico, tenho um consumo de classe média baixa. Há anos e anos que levo lancheira para a faculdade, não por razões económicas mas por razões de saúde e de rentabilização do meu tempo. Não como sal, não como fritos, não como gorduras e alimentos processados e preciso do meu tempo bem organizado e sem ser desperdiçado em restaurantes ou filas de cantina universitária.
Também não compro, e nunca comprei, os alimentos desnecessários que vejo as pessoas à minha frente nas caixas de supermercados comprar: pães com chocolate, todos os tipos de refrigerantes e bolachas, comidas prontas e pré-feitas, leites enriquecidos com isto e aquilo, enfim, o que a minha Mãe diria "ideias ao dinheiro". Talvez que a crise tenha o mérito de nos reindicar o caminho dos bons hábitos alimentares. E também sempre me lembro de comprar no Lidl, não só porque já o fazia na Alemanha, mas porque não vejo onde esteja a diferença entre produtos de marca branca e produtos líderes de mercado se todos são feitos nos mesmos sítios.
Quando a Isabel Jonet disse que andámos a viver acima das nossas possibilidades, toda a gente se levantou em armas que a senhora era paternalista, retrógrada, moralista e outros etcs. Talvez que a escolha de palavras não tenha sido a melhor. Eu acho, no entanto, que nos tempos da nossa falsa e ilusória riqueza, fomos desvairados nos nossos gastos, fomos um povo saído da pobreza e da ditadura que se deixou ofuscar pelo consumo fácil. Tenho ainda uma outra teoria para o que terá acontecido aos portugueses mas essa deixo-a comigo porque implica a minha educação alemã sob o espectro da Guerra e far-me-ia bem mais mal interpretada do que a Jonet.
A notícia do Público aqui

4 de fevereiro de 2013

Esta coisa de amar...

Associo o amor à capacidade de sofrer que nos é intrínseca enquanto espécie pensante. Se calhar por isso nunca tive filhos. Talvez que me proteja de mais e maiores dores não os tendo. Lembro-me bem do sofrimento que foi assistir à tomada de posse do cancro nas nossas vidas quando ele nos entrou porta dentro para reclamar a Mãe, que nos era, aliás, o ser mais eterno. Lembro-me de sonhar com a morte dela quando ela ainda estava viva e de sonhar com a morte dela depois de ela morrer. Hoje sonho com ela viva e acordo no vazio da realidade que a sua ausência criou. Seja como for, esses sonhos são de angústia e doem pela perda irrecuperável. Associo, portanto, o amor extremo à dor extrema.
Ainda não tinha sonhado com o meu sobrinho. Sonhei que no-lo tiravam. Sonhei que a minha irmã ficava sem ele e que eu assistia impotente àquilo tudo e tinha de confortá-la estando eu destroçada de igual modo. Acordei inundada de tristeza e aliviada por tudo não ter passado de um sonho nefasto. Mas fiquei a pensar que sonhar uma coisa destas significa que o meu coração já adoptou de tal maneira o meu sobrinho que amá-lo significa temer perdê-lo, amá-lo incute-me a dor em todas as suas potencialidades.
Na verdade, esta coisa lata do amor tem muito que se lhe diga. Acho que, de certa forma, tenho medo dele por ter medo de sofrer quando ele me for amputado. Esquisito isto. Esquisita esta coisa de o amor ser o extremar da antítese. A coisa que maiores felicidades nos traz é também a coisa capaz de nos dilacerar em maior profundidade. Ó meu Deus, mitigai-me ao sofrimento dos que amo.  

1 de fevereiro de 2013

Quando vai um, vão os outros

Esta coisa de ter herdado a Casa dos meus pais tem destas coisas meio chatas. Em Dezembro morreu-se-me a máquina de lavar. Entregou a alma ao criador depois de mais de duas décadas de abnegado serviço. Agora o frigorífico decidiu que me havia de congelar o queijo e os bróculos e ontem lá fui comprar um substituto (que deve estar a entrar pela porta adentro não tarda nada).
Senhor dos electrodomésticos, tende piedade, que carteiras de Blonde não vão lá nem com duodécimos, ok?