30 de junho de 2010

Preciso de um tractor


É, isto aqui na província já não vai lá de carrinha. O que eu preciso é de um tractor e, já agora, um atrelado.
Vejam lá se pode? 70kgs de croquetes para o bicho Spotty (que tem só a particularidade de gostar de comer todos os dias), 37kgs de pé de chapéu-de-sol para o jardim e mais o respectivo chapéu. E isto tudo num carregamento só! O que me vale é que os senhores das lojas se apiedam aqui de moi e me enfiam as coisas no porta-bagagem. Isto ele há cá com cada dia doméstico...
Life!
PS - Não consigo descarregar o pé do chapéu-de-sol! Help!

28 de junho de 2010

Passa tão depressa

Sabes, Mãe, hoje amanheci sem pensar em Ti. Acordei sem me lembrar como foi acordar hoje há doze anos. Doze anos, Mãe. Doze anos e ainda me lembro do telefonema que já estávamos à espera.
- Era para dizer que a sua Mãe...
- Sim, eu sei.
O Pai já estava acordado. Regava o jardim porque não conseguia dormir. Deixei-o na ignorância por mais uns minutos como se lhe quisesse tirar uns minutos da dor do Fim ou como se lhe quisesse dar mais uns minutos de Ti, de ele contigo. Deixei-o acabar de regar. Mas pela janela da cozinha eu via-lhe as lágrimas e a solidão. Eu e a Mana a sabermo-nos sem Ti e ele ali a regar e a pensar na Tua Vida sem vida. Quando ele entrou em casa não precisámos palavras, sabes? E ainda bem porque eu não saberia dizer-lhe. Eu que amo as palavras não saberia como se diz:
- Pai, a Mãe morreu.
Doze anos, Mãe. E tudo o que vivemos e Tu sem estares aqui e hoje que me acordei esquecida de Ti. Sabes que eu, o Pai e a Mana nunca nos telefonamos neste dia de hoje? Não suportaríamos a crueldade de nos lembrarmos uns aos outros deste dia. Hoje há silêncio. Mas é um silêncio que fala, um silêncio que nos diz que nos morreste.
Tenho saudades, Mãe. Estiveste aqui tão pouco. E tenho tantas histórias para te contar. Fazem-me falta as tardes contigo. Faz-me falta falar de História, das transcedências teológicas e faz-me falta abrir-me contigo, vazar-te o meu coração, dizer-te que me apaixonei ou que conheci um homem maravilhoso, dizer-te que finalmente desfiz o casamento que felizmente não viste e faz-me falta falar-te das vezes que atravesso meridianos e paralelos e que vou aos sítios que me ensinavas nos atlas.
E sabes no que mais penso por estes dias? Como é que te vou apresentar ao neto que a Mana te vai dar. Como é que o vou ensinar a amar-te. Como é que lhe vou dizer que a Avó dele é a criatura mais fantástica que se cruzou nas nossas vidas? E tenho pena, Mãe, que sejas Tu que ele não vai conhecer. Tu, que embalavas os bebés todos e que tinhas aquela aura, que nunca ninguém compreendeu, de atrair a Ti os bichos e as crianças, não vais embalar este bebé. Isso dói-me, sabes? Mas dói-me mais hoje porque, sem ter acordado a pensar em Ti, lembrei-me há bocado de que me ia esquecendo de Ti. É tão só isso, Mãe. Tem dias ainda em que a lembrança me deixa assim nesta coisa triste a que me dou. Depois passa, sabes? A Vida segue, porque segue sempre, e eu esqueço a amputação de Ti. E rio e sou feliz e lembro-me de Ti sem estar assim, triste. Lembro-me de Ti como eras: feliz.
Amanhã acordo e a nuvem passou. Amanhã acordo como acordei hoje e ao final do dia não estarei assim e não me vou lembrar que amanhã te enterrámos sob o sol de Verão. Vai passar já, já.

Adoro-Te Mutti.

27 de junho de 2010

Estas solidões

O ar está morno de veludo. Nem uma brisa e cheira a cedros molhados e caruma no chão. É a calmia depois da tempestade. Passou por aqui e vejo-lhe o rasto na estrada onde ainda correm leitos barrentos de gravilha e lama. Dizem-me que foi uma coisa monstra. Imagino. Há um piquete da electricidade à porta do hotel e outro com homens de mangueiras que sugam excessos de água. Sim, imagino.

Mas o ar está tão bom no fim de tarde. A temperatura amena que me envolve e aquele cheiro intenso dos cedros. Lembro-me do Egeu e da Grécia mas estou muito longe. Apetece-me andar, vaguear por ali a absorver aquilo que me entra pelos sentidos. É um bom fim de tarde, suave, depois da viagem. E, na solidão, vivo-o melhor, mais consciente, porque na solidão a percepção afina-se, aguça-se sem a distracção do outro.

Regressarei a casa, àquela casa grande e fresca no calor do Verão que finalmente chega, à casa vazia que me espera e por cujas portas cada vez mais me apetece entrar e ficar. Cheira a ameixas. Um cheiro plácido na quietude da casa. Um cheiro encorpado. Sobre a mesa da cozinha uma travessa de figos e, sim, ameixas. Parece-me uma natureza morta num quadro da Josefa d'Óbidos que ganha vida ali sobre a mesa. Claro, a Paula que me deixa sempre surpresas à minha espera. Surpresas que me atenuam a solidão por estes dias e que me enchem a casa grande, que ma habitam e que me constróem esta sensação boa do bom que é regressar.



25 de junho de 2010

Vai ser um dia daqueles...

Acordo. Faço café. Ligo o pc. A casa vazia. Tenho malas para fazer por fazer. Diz que o tempo vai piorar. Diz que para onde vou vai chover e trovoar. Mas eu até gosto de trovoada. Só que hoje não me apetece. E o trabalho que se acumula na secretária. Preciso deixar tudo em ordem antes de sair. Ver se não me esqueço de nada. É a vidinha, não é?
Ui... Hoje é mesmo um daqueles dias sem história mas com cargas de história...

24 de junho de 2010

O país Mickey Mouse


Este país é um fartote.
Ontem, pagariam as SCUT os desgraçados na nação do norte. Hoje pagam as SCUT os desgraçados que precisam delas quando calha. Eu apenas acho inteligência básica uma coisa chamada princípio de igualdade e que é tão simples quanto isto: utilizador pagador é quem usa, logo paga, as ditas famigeradas SCUT. Qualquer outra política discrimina uns em favor de outros, ponto final.
Agora a outra também muito cómica é o PM ter imunidade ou vê-la ser levantada e mais o delicioso debate em torno do assunto derivado da questão.
E isto tudo num dia só! Fabuloso! Até me deu a ideia peregrina de abrir aqui a rubrica de gaja bem loura: o país Mickey Mouse. Se bem que os américas é que a dizem bem: what a Mickey Mouse country...

23 de junho de 2010

Flor, flores


Pensar que podia ter vivido a vida toda sem isto...
Pensar que me podia ter desperdiçado.
E pensar que poderia ter vindo cá e desaparecido em pó sem que nada se tivesse passado, sem que o mundo ou eu nos déssemos conta de mim e do mundo.
Acordei assim, a pensar em desperdício de vida que poderia ter acontecido não fossem os acasos da Vida e as coragens de mudança.

20 de junho de 2010

Saramago: funeral-comício

Por muito que eu não quisesse, porque não aprecio particularmente, acho que era impossível deixar passar em claro uma qualquer espécie de epitáfio a José Saramago.
Nunca me seduziu pela escrita. O máximo que consegui ler foi metade da Journey to Portugal e porque li em tradução, que é em si transformação. Não leio Saramago como não leio Günter Grass (para quem pudesse achar que o facto de eu ter nascido lá onde se fala alemão me predispunha preconceituosamente para a literatura alemã. Não é o caso e, aliás, prefiro o pouco que conheço da literatura lusa ao mais que conheço da germânica). Questões de gosto pessoal que não acho me menorizem intelectual ou culturalmente. Portanto, não discuto uma obra que conheço insipientemente, o bastante apenas para me posicionar em relação a gostar ou não.

Agora, que o cânone do Bloom se enriqueceu por outro Dead White European Male (e basta ver os Nobel da Literatura para constatarmos a regência espartilhantemente sexista e étnica do cânone), Saramago ascende ao panteão olímpico dos deuses da palavra. E o engraçado é ver como o país lidou com as exéquias fúnebres. Continuamos tão pequenos, meu Deus!
Na comunicação social era ver e ouvir com horror estes jornalistas todos que falam mal, que atropelam a língua, que têm um vocabulário reduzido, que não distinguem preposições de conjunções a dar conta do óbvio, a perguntar o óbvio ad nauseam nos infindos directos, também igualmente ad nauseam. Ou então, imprimindo um cunho de relevância internacional à morte de um Nobel nosso, lá iam empolando o que o vasto lá fora noticia da morte de Saramago. Não dei conta, nesse imenso lá fora, dessa pseudo-magnitude desta morte. Aliás, bem mais noticiado era o casamento real na Suécia ou o facto mesquinho de os príncipes britânicos terem enfiado um anónimo qualquer nos balneários da selecção inglesa no Mundial.
Depois era ver o povo todo, coitado, que vai ao funeral, que chora e lamenta mas que nunca leu, que não conhece, que talvez vá ler mas que nunca comprou um livro. Sempre o mesmo Portugal iletrado em que literatura tem uma versão light instituída e é essa que anima o mercado e em que qualquer tia ou tio, apresentador de TV ou apresentadora rapidamente se transforma num best-seller da melhor tiragem.
E, claro, o aproveitamento político. Os cravinhos encarnados. Os punhos erguidos, os camaradas e as palavras de intervenção como na reforma agrária. O povo que se despede de um Saramago como quem se despede de um Cunhal. Ou então, no extremo oposto, o nacionalismo do poder instituído que se apropria e cria um herói nacional, o escritor que é nosso, nosso e português, tão português que o embrulhamos na bandeira, lhe damos um funeral de Estado e nos asseguramos que é aqui que lhe ficam as cinzas, afinal ele é nosso e só nosso. Patético tudo.
Não sei o que o escritor morto pensará disto tudo. Na mordacidade que penso o terá caracterizado, acho que se terá divertido, que se terá sentido vingado. Penso, sobretudo, que, como homem inteligente e de vida longa, terá olhado para isto tudo com olhos da complacência de quem já não se chateia com nada mas que percebe tudo. Também acho, com o achar da certeza absoluta, que deu razão em morte à crítica que sempre teceu em vida à Igreja dos Homens (porque, quero acreditar, seria essa a sua crítica e não à de Deus): indecente, vingativa, despótica, obtendo deleite no prazer inquisitorial. Não era preciso o Vaticano lhe ter escrito o epitáfio do homem-anátema, afinal o homem-anátema já cá não está e bem longe está da humanidade que o possa julgar.
Acho que morreu bem.
RIP

18 de junho de 2010

IT'S A BOY!!!!

Manuel de S. M. IV (ó gente sem imaginação!)

Esta foi a primeira canção que a tua Tia Bá ouviu meia hora depois de saber que és tu que aí vens. Tu e só tu. E foi isto que a tua Tia ouviu depois de meia hora sem saber ouvir porque eras só tu e a tua mãe que lhe passavam na cabeça. E nem imaginas a trabalheira que a tua Tia teve para desencantar isto na net. Por isso, quando um dia aqui vieres para saber o que a Tia sentiu quando soube que vinhas aí, vais gramar com esta cançoneta light de Verão e vais saber qual a banda sonora que te acompanhou e à tua Tia naquele caminho que ela fez até casa numa tarde fresca de Junho no meio do trânsito que deixou de existir.

E sabes, até que nem é uma cançoneta desajustada de todo porque a tua Tia te vai levar a ver o mundo. E mais que tudo, a tua Tia quer ver-te e ter-te aqui connosco. E vais vir aqui para a casa da Tia brincar com o Spotty e a tartaruga Ninja e esfolar os joelhos no empedrado quando andares de bicicleta e vais subir à nespereira e ver a Vida vista da altura como a viam a tua Tia e a tua mãe. E a Tia vai chamar-te para lanchar e tu apareces todo verde de relva porque te andaste a rebolar com o Spotty. E vais dar cabo das biqueiras dos sapatos de tanto pontapé dares na bola. E a tudo isso a Tia vai achar piada.

E vais sentar-te na poltrona da biblioteca ao colo da Tia a folhear os livros do mundo e vais ver os sítios por onde a Tia andou e vais sonhar acordado e a Tia vai dizer-te que te leva lá, lá onde for esse lá onde vais com a Tia. E vais ver os livros do David Attenborough e gostar de animais. E depois a Tia mostra-te as fotografias da Avó que é um anjo e vais gostar muito Dela porque Ela te adora e vai sempre estar contigo a afagar-te a cabeça morena que vais herdar do teu pai. E nunca te irás sentir sózinho.

E vais crescer e ser feliz. E a tua vinda enche-nos e anima-nos. Meu sobrinho...

16 de junho de 2010

Também ando a ler o John Simpson


Ainda não acabei a biografia do Attenborough (entretanto alguém se encantou com o dito e eu mudei de leitura). Porém, ao ler estas memórias do John Simpson não deixo de notar os paralelismos com o Attenborough.
São ambos dinossauros da BBC. Testemunhas vivas de um tempo que evoluiu do pós-guerra até hoje. Homens que não se acomodam e que, conjurando a velhice que não escondem, seguem um caminho de adaptação ao meio actual. Não se querem reformar: nem um que, aos 84, anda neste momento pela Antártida a gravar um documentário novo, nem o outro que, pai aos 62, segue pelas zonas de guerra a documentar a insanidade do mundo onde o filho vai viver.
Leio o John Simpson e o que mais retenho é a sua insistente noção da adaptabilidade do ser humano. Ele, que já passou por tantas e diversas gerações, escreve como um naturalista pós-darwininiano. O Homem adapta-se aos tempos, às guerras e à paz, à escassez e à abundância e, sobretudo, adapta-se às mudanças inerentes ao seu percurso pela vida e os tempos da vida. Também escreve sobre um mundo de profecias orwellianas que já se materializaram na contemporaneidade sem que tenhamos dado conta. Não é o catastrofismo que Simpson anuncia. É uma visão crua, não obstante apaixonada, de um mundo perigoso com resquícios de paraíso.
Olho para ele e para o Attenborough que adoro numa paixão cerebral-visceral que me vem da infância e emudeço. Cada vez mais olho para a Vida como um caminho de enriquecimentos. Da juventude guardamos uma casca apenas, de resto a ignorância, a falta de vida, a falta de caminho, a irascibilidade que vem da força. Olho para eles na vida longa e sinuosa e agradeço a uma qualquer Coisa pela oportunidade do caminho.

15 de junho de 2010

I gotta feeling...




que a coisa está complicada.
E já começam as matemáticas (o que eu acho estranho num país com aversão a números). Talvez fosse das vuvuzelas, do frio, da chuva, da relva, do Drogba. Puxa, é muita coisa junta. Coitaditos dos jogadores a lutar contra tanta adversidade...

12 de junho de 2010

Tapioca à Blonde (para calar o meu cão Spotty)


Esta é para provar ao Spotty que a Dona dele até faz umas coisas.
Tapioca à Blonde (versão muito inventada de tapioca tailandesa - se não for tailandesa é brasileira)
Ingredientes:
. meia chávena de tapioca
. 1 lata de leite de coco
. 1 1/2 a medida da late de leite de coco de água
. 3 colheres de açúcar
. casca de limão a gosto
. canela a gosto
. 1 pitada (coisa mínima, aviso já) de pó de baunilha
Deitar a tapioca num recipiente e cobrir com água quente. Deixar amolecer 20 mins. Depois escorrer a água. Levar num tachinho a tapioca com o leite de coco e a água a levantar fervura. Acrescentar o açúcar, a raspa de limão, a canela e a pitada de pó de baunilha (atenção que é mesmo só uma pitadinha!!! Aquilo é veneno, gente!!). Deixar cozinhar em lume brando mexendo sempre (como se fosse arroz-doce). Quando a tapioca estiver bem molinha e translúcida, apagar o lume.
É deliciosa como sobremesa quente ainda viscosa e é deliciosa depois de fria!
Nham, nham!

11 de junho de 2010

A minha Dona e a tapioca

A minha Dona é um fenómeno! E depois eu é que as pago todas! Não é justo!
Apeteceu-lhe tapioca, vejam só! Só que ela não sabe fazer tapioca. Googlou, como é hábito em casos de ignorância, umas quantas receitas dessa coisa da tapioca e lá houve uma que lhe deve ter parecido fácil. Pegou nas chaves (as da casa, as do alarme e as do carro, que a mulher é um chaveiro ambulante) e foi ao supermercado muito lesta comprar o que lhe faltava: a tal da tapioca e pó de baunilha.
Depois, já de regresso, deitou mãos à obra e, na parte da receita que diz: juntar uma pitada do pó de baunilha, a minha Dona inteligente lá deitou um bocado. Mexeu. E, por via das curvas deitou mais um bocadinho para apaladar a coisa com sabor a baunilha. Tralala, tralali e a tapioca ficou pronta. Cheirava super bem, é uma verdade. Mas... não se podia tragar de tão amargosa.
A minha Dona, que não é de se ficar. Pegou na tapioca, levou-a ao lume e toca de acrescentar açúcar. Ele foi açúcar branco, ele foi açúcar amarelo e até canela juntou aquela coisa branca viscosa.
Deus dos cães! Aquilo não se podia comer de tão amargo! Sabem o que ela fez a seguir? Virou-se para mim e deu-me uma colher daquilo a provar!!! Estava-se mesmo a ver! Julgava ela que eu ia na cantiga. Era o ias! Fugi com as quatro patas que Deus me deu para alguma coisa e ala que desapareci dali para fora!

Agora querem saber a melhor? A minha Dona, que é esperta como um raio e acha sempre que ler instruções é uma coisa menor para a sua grande inteligência, não leu o que dizia o frasquinho com o pó de baunilha:
Atenção! Produto muito concentrado. Utilizar 0,5g para 1kg de alimento.

A boa da Dona, só usou metade de um frasco de 15grs para 200grs de tapioca! Deuses caninos, para o que eu havia de estar guardado!!

Publicado por (yes, it's me): Spotty

10 de junho de 2010

Blonde e o Cartão de Cidadã


Isto quando dois neurónios se encontram dá nisto.
Blonde (ainda não legalmente divorciada) vai fazer o Cartão de Cidadã (esperando que dentro em pouco o fará novamente sob os auspícios de estado civil diferente).
Senhora da Loja do Cidadão (SLC) - Ora deixa cá abrir a nacionalidade. - Uns segundos para a página carregar. - Ai! Não estava à espera disto!
Blonde (B) - Ai, não me vai mandar para os Registos Centrais, vai? - Diz Blonde antecipando o eterno calvário das papeladas que lhe são pedidas por causa da naturalidade.
SLC - Não. Mas é que nasceu fora. - Diz desmoralizada sem Blonde saber porquê.
B - Bem, é um sítio tão bom para nascer como outro qualquer. - Replica Blonde bem-humorada.
SLC - Sim, mas é que é preciso preencher uma página nova.
B - ?!
SLC - Pois... Sabe onde nasceu?
B - ?! - E, de repente, Eureka. - Ah, quer que eu lhe escreva?
SLC - Olhe, já agora. - E passa o teclado a Blonde.
B - Nordrhein-Westfallen. Mönchengladbach. Rheydt-Ödenkirchen.
SLC - Pois... Eu assim não ia lá...
Uns minutos depois. Blonde tem o talão para levantar o cartão. Repara na altura: 1,64.
B - Olha, cresci um centímetro! - Diz rindo, porque o BI antigo regista 1,63 (lógico: 1,63 + 1 = 1,64).
SLC - Pois... Ele ali na máquina [aquela toda triques onde se regista a foto e as impressões digitais] estava a dar 1,81 e eu achei melhor acrescentar um centímetrozito.
B - Sabe, - diz Blonde rindo - eu já pedi montes de vezes para me alterarem a altura. Isso é o que eu media aos dez ou coisa que o valha, mas nunca mudaram. Qualquer dia aparece aí o meu cadáver num sítio qualquer e não corresponde, já viu? Para a próxima eu venho cá e a senhora acrescenta outro centímetro. Daqui a uns anitos já meço o que meço.
SLC - (Risos)
Sim, muito divertida esta coisa do cartão do cidadão.

7 de junho de 2010

No dia em que se celebra o primeiro casamento homossexual em Portugal...

... eu continuo CASADA! Nos papéis, claro, porque nunca estive casada na vida e certamente não estou casada com uma pessoa que não vejo e com quem não falo há dois anos.
E assim é neste país. Desloco-me, já como em romaria peregrinante, para sessões e audiências marcadas com periodicidades de seis meses. Não é a litigância que me incomoda, acho que já nem é a lentidão da justiça, é a lei lassa que premeia não comparências, faltas (justificadas ou não), atrasos e que, portanto impede qualquer diligência de se formalizar.
Ficou agendada nova tentativa de audiência para daqui a seis meses. Mais seis meses em que tenho de ler "cas." no meu B.I. Mais seis meses de paciência.
Consequências?
Muitas. Tantas.

- Fiz um testamento, já o ano passado, que impede, até aos limites legais que o meu futuro ex-marido herde tudo o que hoje possuo. Não é muito. Mas eu morrendo antes do divórcio concretizado, ele terá direito a 50% do meu património: alguns terrenos, uma casa, carrinha, bens móveis diversos. Ou seja, torna-se herdeiro de 50% daquilo que os meus pais me legaram. Bom, não?

- Se eu, neste momento, quiser comprar uma casa mais pequena, um carro, esses bens entram como bens adquiridos durante a vigência do casamento e entram no rol de partilhas. Excelente!

- Imaginando que eu quero vender a casa que herdei ou algum dos terrenos que também herdei, posso fazê-lo porque são meus bens de raiz, mas... preciso da assinatura dele que tem de estar presente ou fazer-se representar no momento da escritura. Estão a ver a cena: "Tudo bem, eu até te assino a escritura mas em troca dás-me x, senão eu não assino nada e tu não podes vender". Gostava de saber quem é a mente inventora de uma obtusidade destas! Os bens são meus, mas ele precisa assinar.

- Outro cenário. Preciso trocar a carrinha. Também não a posso vender na retoma por outro carro porque, tecnicamente, como é um bem comparado (com o meu dinheiro, diga-se) na vigência do dito cujo referido casamento, ele precisa assinar e dar consentimento.

Ora, eu faço o IRS como separada de facto. Tenho n processos na justiça (dois para ser precisa): um a requerer o divórcio, outro a requerer um despacho judicial que diga que, de acordo com escritura de partilha sucessória e inscrição matricial, a casa é minha e, para todos os efeitos, continuo uma senhora casada.
Mas onde é que anda a tal nova lei que blábláblá dizia que o divórcio deixava de ser litigioso? onde é que está essa bendita nova lei que facilitaria e agilizaria os processos de divórcio? Gente, eu ando nisto desde 2008!

Seguem próximos capítulos igualmente enfadonhos em... Novembro.

5 de junho de 2010

Ando a ler...


... e lembra-me os romances de império ao estilo de Rider Haggard ou Stevenson. Também me lembra Forster e Kipling. Está lá tudo: as viagens exóticas, as aventuras, os naufrágios em mares do sul, as tribos perdidas que nunca viram homens brancos, os perigos e as alegrias da missão cumprida ao cabo das provações. Mas se vermos bem, este homem chega-nos dessas gerações longínquas. Imagino-o contemporâneo de Buchan e dos últimos gentlemen travellers.
- Good morning. How do you do? - Terá dito Attenborough estendendo cordialmente a mão a um nativo da Papua Nova Guiné que marchava à frente de uma horda de guerreiros tribais. O incidente lembra-me Stanley na África quando encontra Livingstone: "Dr. Livingstone, I presume?" A fleuma britânica destes exploradores, dos quais Attenborough é o último espécime vivo.
Apetece-me escrever um artigo científico. Apetece-me que o livro não acabe e leio devagar repetindo linhas e parágrafos. E apetece-me que ele viva para sempre...

4 de junho de 2010

Anel de Descasamento


Andava eu à procura da notícia absurda de os alunos do 8º ano poderem transitar directamente para o 10º caso tenham 15 anos, quando me surgiu uma outra muito interessante, justo agora por estes dias em que divórcio e o quanto me vai custar (além do que já me custou) é o que eu mais penso.
Como há que descomprimir e fazer um certo comic relief das agruras da vida, lá deixei o absurdo das ideias absurdas em matéria de educação em Portugal e fui espreitar as novas tendências em joalharia para divorciados (logo eu uma impenitente jewelaholic).
Então a tendência mais actual, hiper, mega é reciclar as alianças de casamento (cruzes credo que eu digo casamento e encho-me de urticária no cérebro). Pois a minha até era toda gira (comme moi, há que dizê-lo) e está-me cá a parecer que lhe vou dar uma volta bestial. Já a bandeja de prata, ao estilo de Salomé, só que a cabeça era a minha, vai ao ourives apagar a gravação idiota e levar uma com a futura data do divórcio (que esperemos não seja para daqui a dez anos) e mais qualquer coisa muito Hollywood a modos que "Independence Day" ou "V for Victory", até podia ser "D-Day", mas eu já tenho uma salva com "Dia D" que me deram quando defendi o doutoramento (D-Doutoramento, estão a ver, não é?) e, convenhamos, imaginação é coisa que não me falta (a dar crédito à contestação à petição inicial do meu futuro-em-parte-incerta-ex-marido).
Portantinho, vou inventar um desenho bem à la Blonde, dar um rumo à aliança e continuar a ser uma trendsetter blondelíssima na vanguarda da moda. Quem sabe se não tenho um futuro promissor na alta-joalharia? (Bem, talvez seja melhor não, senão vem o futuro-ex a dizer que se não fosse ele eu não me tinha divorciado, logo não tinha feito uma aliança de descasamento e ainda me pedia uma parte dos lucros "derivado" à ideia ter a ver com ele, cruzes!!! Lagarto, lagarto!!!)

2 de junho de 2010

Não é bem medo...

... é aquele receio fininho na antecipação do desagradável que adivinho vem aí. Apetece-me música nostálgica. Talvez me apeteça chorar. Mas não. Proíbi-me a fraqueza das lágrimas que só posso derramar nas saudades imensas da Mãe. Prometi chorar só por essa razão e sinto que me desonraria se chorasse por coisas mundanas. Guardo as lágrimas para o amor mas é difícil. Ao invés, venho desabafar para o blog agora que estou aqui na solidão da minha casa e antes que os que me amam me venham consolar.

Eu devia estar feliz. Vou ser tia. Tenho a profissão dos meus sonhos. Amo a minha casa com um amor genético de matriarca, herdeira do legado que preservo com tanto orgulho. Tenho Amor, tanto. Devia estar feliz. Mas como é que posso estar feliz se ainda não sou dona de mim, do meu futuro, da minha vida, da minha liberdade, das coisas básicas que nos são devidas na nossa condição humana?

Vai para dois anos que me tento divorciar na justiça deste país. Dois anos. Dois anos... Estou cansada. Cansada de uma batalha judicial que me tolhe o livre-arbítrio, que insiste em que eu continue presa a um homem de quem não sei nada há dois anos, com quem não comunico por canal algum, que se evaporou da minha vida, que nem comparece no tribunal mas que se faz presente na minha prisão. A crueldade da ironia é tal que não posso dispor do património que me legaram gerações anteriores porque preciso sempre de consentimentos e assinaturas de um homem que não tem nada a ver com as minhas coisas ou com a minha família. Assustador o poder da assinatura. Assustadora uma justiça que me amesquinha nas salas de tribunal. Dependo de terceiros: advogados, juízes, secretarias de funcionários públicos que se comprazem em dizer-me que os processos estão por despachar. Dependo d ehumores e disposições. Dependo da voz do meu advogado porque a justiça não quer ouvir a minha. São todos doutores e doutoras e eu, a Professora Doutora, que os trato a todos na praxe dos títulos, passo a um "você" destitulado, um "você" de inferiorização. Não me dão autorização para me sentar. Apetece-me pedir-lhes o respeito que me devem como pessoa, como pessoa mais que não seja, mas tenho consciência da represália e, afinal, é a minha vida que se joga nas salas de audiência. A minha vida...

Penso constantemente nos milhares de mulheres sujeitas a esta morosidade, mulheres que não têm a minha independência, a minha literacia, os meus privilégios sociais, as minhas âncoras. Mulheres com filhos e salários mínimos, mulheres sem capacidade de defesa perante a voracidade judicial e os caprichos de ex-companheiros cujo único sentido é o material. Sim, porque num divórcio, a moralidade única é o dinheiro. Um divórcio é uma transação de capital. Ganha quem arremata o capital.

Não é bem medo, é a fragilização na impotência que sinto. Espera-me novo embate na justiça. Quero que passe rápido. Gostava, usando um chavão gasto, que a justiça fosse justa. Gostava que a justiça me divorciasse. Gostava de não sentir-me a ré julgada e torturada por querer o divórcio, palavra doce no que para mim significa de libertação.

No início do meu penoso calvário em direcção ao divórcio ouvi:

- Queres o divórcio? Paga.

Sim, é isso. O divórcio não tem mal nenhum. O divórcio é um dispositivo legal como outro qualquer. Mas um divórcio tem um custo. O desfazer de um casamento, palavra amarga no que para mim significa de provação, tem um preço. A liberdade tem um preço. Um preço a vida. Só eu não peço dinheiro. Enoja-me. A minha moral não se traduz num valor material. Não peço nem as compensações monetárias que me são devidas. Só peço liberdade...